sábado, dezembro 27, 2003

A viagem na ferocidade musical do felatio


A nós que ainda estamos vivos, todas nos mamam, por isso ainda gostamos de viajar no rio das pérolas sobre o lábio, para se construir rapidamente as ondas do oceano.

Às vezes esquecemo-nos que os livros são a pele seca e crepuscular do homem, e que as páginas são erguidas nas pontes para a maresia.

Mas a verdadeira melodia do mar encontra-se na calçada onde os cabelos tocam no sexo, e escrevem uma viagem com os dedos das flores.

A fúria nasce na calçada das cabeças herbáceas e movimentadas. E as árvores nascem luminosas na praia dos lábios.

Tentamos encontrar a ferocidade demográfica do desejo, mas somos diminuidos pela fome plasmática que o coração bombeia.

Mas deixamos lentamente de sentir os espinhos que a morte do sol implantou sobre os lençois. E como apreciamos o som lírio dos pulmões.

Viajamos para nos separarmos da humidade da terra e tocarmos na névoa das nuvens, para podermos encontrar a invisibilidade das mullheres.

Elas são a ferocidade do algodão no felatio. Elas deixam as árvores conversar no looping transversal do corpo.


sexta-feira, dezembro 26, 2003

Porque que é que as crianças morrem


São de criança esses olhos cinzentos de vidro azul, são pedras de água que ainda não viram a cinza vermelha e sintética do homem.

São a alma ainda sem o vulto sonolento da cortiça, sem a mentira do corpo que procura a poeira da terra, para esconder a crueldade na inocência.

São de uma beje pintura marítima, que emprestam a pureza de deus ao mundo. Tudo se presta a arder no cinzeiro onde os corpos fazem o fogo.

Estiveram no meu colo milímetros brancos de criança, que agora se desfazem no lume brando e seco das palavras tentaculares.

Gosto de observar a lava das letras a borbulhar no sentido dos pensamentos.

É assim que nos matamos, com as lápides que sonhamos no nevoeiro. E dizemos às crianças que a emergência das sombras são nos cartoons.

Sofremos tanto que gostamos. Fumegamos o lume tépido da lua em todos os olhos cinzentos de vidro azul.

Para que as crianças nos igualem e possam também morrer. Para que sejam a espuma da clorofila. Para que sejam a seiva das plantas.


quarta-feira, dezembro 24, 2003

O vulto da espuma indómita


Sou um corpo que se perde no pão cruel da noite.

O gelo preenche-me quando me sinto parte de algo, há uma penumbra inevitável que me aproxima de uma montanha prismática.

E continuo a não fingir o amor que se propaga entre os animais.

Quando passam por mim pessoas lembro-me do poema inexistente. Lembro-me de uma pátria de granito azul, acente em fios de espada.

Lembro-me de uma mensagem, de uma pessoa. Continuamos a sofrer o mar dentro de uma dezena líquida de letras.

Quando voam esses sonhos da caravela, há uma lápide medicinal que me apazigua, um desejo que um livro lido e esquecido me transmitiu numa lágrima.

A vontade do corpo distrai-me, mas continuo a chorar a sombra da morte no teu sorriso.

Quando for uma criança vou desenhar uma página de terra branca, só para que o teu nome a preencha com uma planta florida.

Lembro-me de um império de sal doce. Continuamos a imaginar a pele dos castelos na cinza da espuma.

E vamos ardendo na vela fecunda das bibliotecas.


segunda-feira, dezembro 22, 2003

Os sinos infinitos das árvores feridas


Escrevo para viver, porque já não sinto de outra forma. E assim também posso crescer na retrospectiva das tempestades, nas sombras húmidas da incerteza.

Tenho a sombria sensação de uma viagem Nietzschiana na pele, numa esquina de metamorfoses, onde as cobras de Dezembro se vestem de vermelho.

Ali pergunto-me sobre as grutas secas e urbanas do tempo dos sinos. A multidão das ruas ainda me lembra mais a solidão do Natal.

Natal, o dia em que se nasceu para podermos voltar ao princípio do silêncio.

Mas com o álcool sempre podemos ser alguém de diferente e deixar a música ser-nos um pouco mais ou um pouco menos.

Consoante a distância a que estamos de nós próprios.

Escrevo no fingimento de que existe um vulto dentro de uma árvore infinita, um anel planetário que me coloca cola em ti.

É por isso que não estás. Para a certeza da inocência pintar as feridas com o mel indolente.

Para me lembrar que somos facas, que cortámos todas as laranjas da cidade.

Porque também é assim que a chuva me transporta para dentro de uma palavra. Para que me possas ser. Apenas para estar mais um pouco contigo.

Ainda antes do próximo nascimento.


quinta-feira, dezembro 18, 2003

A aventura atmosférica do amor de Pipukus


Pipukus morreu, porque tentou viver. Deixou o sangue do abismo misturar-se com o sémem em cima da memória.

A dança marginal das mãos que se afogam nas pétalas. Os teus cabelos deixam até perceber que o amor também morreu.

Trata-se apenas de um passeio do sexo pela estratosfera dos sentidos. Até que as hormonas também desapareçam e a solicitude febril do corpo pergunte novamente por ti.

E tenha de procurar a sede dos olhos mais parecidos com os teus. O perfume mais próximo da lava.

Pipukus nasceu, porque encontrou a imagem de um império de desejo.

Porque fez a célere penetração das ideias num algodão preto de amor. Porque te fodeu até a lágrima morrer, também num sorriso de uma lâmina fácil.

Encontra nas árvores o voo ácido dos pássaros, o beijo que procurava.

Pipukus está em suor, porque tentou sonhar. Pensou a faca de veludo do sentimento sobre as algas do segredo.

Existe um lago vermelho com a cor negra e secreta da carne.


segunda-feira, dezembro 08, 2003

A Dias dados sobre o oceano azulíneo


O livro que tem mais únicas páginas, em cada falésia verde que se debruça, uma curva deslumbra-se no suspiro da página.

Uma sílaba brilhante palpita no som de cada letra, mas o teu nome já não tem segredos marginais para mim, apenas sorrisos de marmelada.

Empresto-te o leve sussurro do coração, para que sobre ele incidam os toques polifónicos que me procuram, o abismo de amor que se liquefaz no teu telemóvel.

Para que eu morra feliz e melódico na memória que deu um passo em direcção a ti. Pudesse eu acompanhar os trilhos do vento.

Chove a lama dos vidros sobre a humidade da alma, os corpos separam-se mas os olhos continuam a encontrar-se na lava simples do sol.

Naquele tempo em que o corpo está desassossegado.


sexta-feira, dezembro 05, 2003

O suor ancestral dos corpos lusos


A fome da espada é o nosso maior náufrago, um dia houve em que a caravela foi o próprio crepúsculo da vontade.

A nossa branca nau encontra-se desnuda.

No intervalo dos Dez Cantos à Mensagem apenas sobreviveu a poeira seca e intrépida da poesia.

Tudo o resto é o líquido da lágrima que o próprio verso canta.

A lástima da língua que emerge ainda em cada africano. O que nos deixou de ser nunca mais foi de ninguém. A sombra adquiriu-se ao vulto.

África nasce dessa misteriosa miséria lusitana, da espuma do esquecimento que cobre a auréola luminosa das praias.

Essas dunas soltas que ainda procuram as velas no céu da paisagem.

As velas hoje celas da cidade que Cristo abraça sobre as sete colinas.

Mas a nuvem atravessa indiferente ao sonho sanguíneo de Lisboa. O algodão não é senão algodão, e não se importa com o suor ancestral dos corpos.

Deus deu-nos o intestino do destino, o alimento da vertigem que se segue ao feito da descoberta.


quarta-feira, dezembro 03, 2003

A alegre vertigem eléctrica que deixaste


Gosto que sejas impossível, uma guitarra ecléctica há-de cantar para sempre essa ponte metálica que nos separa.

Uma flor do fruto sobe pelo teu rosto até ao abismo secreto do lábio. A minha deambulação é vária e contrária.

Gosto do sumo que vejo outros beberem no meio do deserto.

Outros que não têm a gota nebulosa do nevoeiro a trespassar o coração. Outras vidas há em que a serpente do beijo tem apenas queijo e não pensamento.

Eu que não tenho desertos ao pé de ti. Eu que não tenho a certeza das montanhas.

Gosto do marfim de veludo sobre o teu cabelo, uma música que interpreta a amnésia da alma sobre essa falésia negra.

Eu que não tenho declives de aço ao pé de ti. Eu que só tenho o mistério malmequer do desejo concreto para te oferecer.

Um lençol húmido separa-se do cheiro do teu corpo, uma qualquer máquina marítima vai matar a vertigem que deixaste no labirinto da pele.

Vou acabar por gostar que sejas invisível, o teu alegre reflexo revela-se na areia sólida do tempo que morre.


terça-feira, dezembro 02, 2003

A humidade líquida do Homem


O tormento do suor nasce no pico sumarento do desejo.

No quente da cama não há diferença entre a fauna e a flora. A fome das flores percorre a sede dos cactos nos campos. E a velocidade do nosso corpo é indiferente.

É por isso que o Homem não é prata nem bronze. Apenas uma cinza de ouro.

A comida da cor não pertence ao templo que constrói no tempo. O ópio líquido que constitui o livro desconhecido do Homem, o sangue é que tem um nome conhecido.

É por isso que o Homem é uma tentativa.

O Homem é um cinzeiro incolor que se vai matando com os beijos vermelhos dos pássaros. Os pensamentos.

Persegue o arco-íris.

O Homem é à medida que bebe o copo de água que desflora a vida. O sentido dos sentimentos limitam a existência sanguínea.

As tentações terminam na cor das rosas. E há um tempo em que as pétalas deixam de ter a melancolia musical do veludo.

É por isso que o Homem é uma definição do corpo comido pelas bactérias.

É por isso que não vive completo nem morre repleto. A Natureza esgota-se nesse destino fácil do corpo, o Homem.

Mas Deus não.