sábado, dezembro 27, 2003

A viagem na ferocidade musical do felatio


A nós que ainda estamos vivos, todas nos mamam, por isso ainda gostamos de viajar no rio das pérolas sobre o lábio, para se construir rapidamente as ondas do oceano.

Às vezes esquecemo-nos que os livros são a pele seca e crepuscular do homem, e que as páginas são erguidas nas pontes para a maresia.

Mas a verdadeira melodia do mar encontra-se na calçada onde os cabelos tocam no sexo, e escrevem uma viagem com os dedos das flores.

A fúria nasce na calçada das cabeças herbáceas e movimentadas. E as árvores nascem luminosas na praia dos lábios.

Tentamos encontrar a ferocidade demográfica do desejo, mas somos diminuidos pela fome plasmática que o coração bombeia.

Mas deixamos lentamente de sentir os espinhos que a morte do sol implantou sobre os lençois. E como apreciamos o som lírio dos pulmões.

Viajamos para nos separarmos da humidade da terra e tocarmos na névoa das nuvens, para podermos encontrar a invisibilidade das mullheres.

Elas são a ferocidade do algodão no felatio. Elas deixam as árvores conversar no looping transversal do corpo.


sexta-feira, dezembro 26, 2003

Porque que é que as crianças morrem


São de criança esses olhos cinzentos de vidro azul, são pedras de água que ainda não viram a cinza vermelha e sintética do homem.

São a alma ainda sem o vulto sonolento da cortiça, sem a mentira do corpo que procura a poeira da terra, para esconder a crueldade na inocência.

São de uma beje pintura marítima, que emprestam a pureza de deus ao mundo. Tudo se presta a arder no cinzeiro onde os corpos fazem o fogo.

Estiveram no meu colo milímetros brancos de criança, que agora se desfazem no lume brando e seco das palavras tentaculares.

Gosto de observar a lava das letras a borbulhar no sentido dos pensamentos.

É assim que nos matamos, com as lápides que sonhamos no nevoeiro. E dizemos às crianças que a emergência das sombras são nos cartoons.

Sofremos tanto que gostamos. Fumegamos o lume tépido da lua em todos os olhos cinzentos de vidro azul.

Para que as crianças nos igualem e possam também morrer. Para que sejam a espuma da clorofila. Para que sejam a seiva das plantas.


quarta-feira, dezembro 24, 2003

O vulto da espuma indómita


Sou um corpo que se perde no pão cruel da noite.

O gelo preenche-me quando me sinto parte de algo, há uma penumbra inevitável que me aproxima de uma montanha prismática.

E continuo a não fingir o amor que se propaga entre os animais.

Quando passam por mim pessoas lembro-me do poema inexistente. Lembro-me de uma pátria de granito azul, acente em fios de espada.

Lembro-me de uma mensagem, de uma pessoa. Continuamos a sofrer o mar dentro de uma dezena líquida de letras.

Quando voam esses sonhos da caravela, há uma lápide medicinal que me apazigua, um desejo que um livro lido e esquecido me transmitiu numa lágrima.

A vontade do corpo distrai-me, mas continuo a chorar a sombra da morte no teu sorriso.

Quando for uma criança vou desenhar uma página de terra branca, só para que o teu nome a preencha com uma planta florida.

Lembro-me de um império de sal doce. Continuamos a imaginar a pele dos castelos na cinza da espuma.

E vamos ardendo na vela fecunda das bibliotecas.


segunda-feira, dezembro 22, 2003

Os sinos infinitos das árvores feridas


Escrevo para viver, porque já não sinto de outra forma. E assim também posso crescer na retrospectiva das tempestades, nas sombras húmidas da incerteza.

Tenho a sombria sensação de uma viagem Nietzschiana na pele, numa esquina de metamorfoses, onde as cobras de Dezembro se vestem de vermelho.

Ali pergunto-me sobre as grutas secas e urbanas do tempo dos sinos. A multidão das ruas ainda me lembra mais a solidão do Natal.

Natal, o dia em que se nasceu para podermos voltar ao princípio do silêncio.

Mas com o álcool sempre podemos ser alguém de diferente e deixar a música ser-nos um pouco mais ou um pouco menos.

Consoante a distância a que estamos de nós próprios.

Escrevo no fingimento de que existe um vulto dentro de uma árvore infinita, um anel planetário que me coloca cola em ti.

É por isso que não estás. Para a certeza da inocência pintar as feridas com o mel indolente.

Para me lembrar que somos facas, que cortámos todas as laranjas da cidade.

Porque também é assim que a chuva me transporta para dentro de uma palavra. Para que me possas ser. Apenas para estar mais um pouco contigo.

Ainda antes do próximo nascimento.


quinta-feira, dezembro 18, 2003

A aventura atmosférica do amor de Pipukus


Pipukus morreu, porque tentou viver. Deixou o sangue do abismo misturar-se com o sémem em cima da memória.

A dança marginal das mãos que se afogam nas pétalas. Os teus cabelos deixam até perceber que o amor também morreu.

Trata-se apenas de um passeio do sexo pela estratosfera dos sentidos. Até que as hormonas também desapareçam e a solicitude febril do corpo pergunte novamente por ti.

E tenha de procurar a sede dos olhos mais parecidos com os teus. O perfume mais próximo da lava.

Pipukus nasceu, porque encontrou a imagem de um império de desejo.

Porque fez a célere penetração das ideias num algodão preto de amor. Porque te fodeu até a lágrima morrer, também num sorriso de uma lâmina fácil.

Encontra nas árvores o voo ácido dos pássaros, o beijo que procurava.

Pipukus está em suor, porque tentou sonhar. Pensou a faca de veludo do sentimento sobre as algas do segredo.

Existe um lago vermelho com a cor negra e secreta da carne.


segunda-feira, dezembro 08, 2003

A Dias dados sobre o oceano azulíneo


O livro que tem mais únicas páginas, em cada falésia verde que se debruça, uma curva deslumbra-se no suspiro da página.

Uma sílaba brilhante palpita no som de cada letra, mas o teu nome já não tem segredos marginais para mim, apenas sorrisos de marmelada.

Empresto-te o leve sussurro do coração, para que sobre ele incidam os toques polifónicos que me procuram, o abismo de amor que se liquefaz no teu telemóvel.

Para que eu morra feliz e melódico na memória que deu um passo em direcção a ti. Pudesse eu acompanhar os trilhos do vento.

Chove a lama dos vidros sobre a humidade da alma, os corpos separam-se mas os olhos continuam a encontrar-se na lava simples do sol.

Naquele tempo em que o corpo está desassossegado.


sexta-feira, dezembro 05, 2003

O suor ancestral dos corpos lusos


A fome da espada é o nosso maior náufrago, um dia houve em que a caravela foi o próprio crepúsculo da vontade.

A nossa branca nau encontra-se desnuda.

No intervalo dos Dez Cantos à Mensagem apenas sobreviveu a poeira seca e intrépida da poesia.

Tudo o resto é o líquido da lágrima que o próprio verso canta.

A lástima da língua que emerge ainda em cada africano. O que nos deixou de ser nunca mais foi de ninguém. A sombra adquiriu-se ao vulto.

África nasce dessa misteriosa miséria lusitana, da espuma do esquecimento que cobre a auréola luminosa das praias.

Essas dunas soltas que ainda procuram as velas no céu da paisagem.

As velas hoje celas da cidade que Cristo abraça sobre as sete colinas.

Mas a nuvem atravessa indiferente ao sonho sanguíneo de Lisboa. O algodão não é senão algodão, e não se importa com o suor ancestral dos corpos.

Deus deu-nos o intestino do destino, o alimento da vertigem que se segue ao feito da descoberta.


quarta-feira, dezembro 03, 2003

A alegre vertigem eléctrica que deixaste


Gosto que sejas impossível, uma guitarra ecléctica há-de cantar para sempre essa ponte metálica que nos separa.

Uma flor do fruto sobe pelo teu rosto até ao abismo secreto do lábio. A minha deambulação é vária e contrária.

Gosto do sumo que vejo outros beberem no meio do deserto.

Outros que não têm a gota nebulosa do nevoeiro a trespassar o coração. Outras vidas há em que a serpente do beijo tem apenas queijo e não pensamento.

Eu que não tenho desertos ao pé de ti. Eu que não tenho a certeza das montanhas.

Gosto do marfim de veludo sobre o teu cabelo, uma música que interpreta a amnésia da alma sobre essa falésia negra.

Eu que não tenho declives de aço ao pé de ti. Eu que só tenho o mistério malmequer do desejo concreto para te oferecer.

Um lençol húmido separa-se do cheiro do teu corpo, uma qualquer máquina marítima vai matar a vertigem que deixaste no labirinto da pele.

Vou acabar por gostar que sejas invisível, o teu alegre reflexo revela-se na areia sólida do tempo que morre.


terça-feira, dezembro 02, 2003

A humidade líquida do Homem


O tormento do suor nasce no pico sumarento do desejo.

No quente da cama não há diferença entre a fauna e a flora. A fome das flores percorre a sede dos cactos nos campos. E a velocidade do nosso corpo é indiferente.

É por isso que o Homem não é prata nem bronze. Apenas uma cinza de ouro.

A comida da cor não pertence ao templo que constrói no tempo. O ópio líquido que constitui o livro desconhecido do Homem, o sangue é que tem um nome conhecido.

É por isso que o Homem é uma tentativa.

O Homem é um cinzeiro incolor que se vai matando com os beijos vermelhos dos pássaros. Os pensamentos.

Persegue o arco-íris.

O Homem é à medida que bebe o copo de água que desflora a vida. O sentido dos sentimentos limitam a existência sanguínea.

As tentações terminam na cor das rosas. E há um tempo em que as pétalas deixam de ter a melancolia musical do veludo.

É por isso que o Homem é uma definição do corpo comido pelas bactérias.

É por isso que não vive completo nem morre repleto. A Natureza esgota-se nesse destino fácil do corpo, o Homem.

Mas Deus não.


domingo, novembro 30, 2003

Nunca


Eu nunca te vi, apenas te olhei.

Porque é que há noites e não Dias com o teu nome? Pensava que eram os teus olhos que podiam responder a todas as facas adormecidas.

Pensava que os segredos dos sinos se podiam sepultar para sempre no som do sexo. Porque é que o porquê há-de ter um porque?

Eu nunca te pensei, apenas te senti.

Porque é que quando os corpos se tocam com nevoeiros, há sombras brancas que são plantas em crescimento?

Pensava que entre mim e ti havia uma mapa delineado num óleo, alguma pintura tentacular. Porque é que não há uma vertigem que escreva uma qualquer história de desespero?

Eu nunca te falei, apenas te amei.


quinta-feira, novembro 27, 2003

A semente


A minha verdadeira relação é com o pulmão da vida.

A minha verdadeira profissão é nunca ser completamente coração de nada. É ser apenas um pouco parte de cada gota da paisagem.

Apenas ser um pouco garagem da pintura, as manchas musicais das mulheres que rasgam a tela espumosa do silêncio.

E o sino de incenso delas é uma paisagem, é uma viagem dos dedos pela memória, uma aragem surda de cocktails que valem o dia.

Alguns tempos com água das alegrias. Alguns momentos que pararam o sentido do relógio no corpo. O corpo que eu gostava que tu germinasses.

O segredo da relva sentimental está em cada dia ser o esgoto invisível do dia anterior. E não deixar que me aperceba das tempestades.

E irmos deixando os campos cultivados perto das palavras. Pode ser que um dia possas colher um desses frutos. Pode ser que um dia deixe uma semente minha no teu lábio.

Pode ser que um dia a minha verdadeira profissão seja ser completamente o teu coração.


terça-feira, novembro 25, 2003

Porque o meu nome é Clorofila


O meu nome é Clorofila porque finalmente.

Porque acabei de beber a cerveja no inferno de Rimbaud. Porque finalmente sou permeável à chuva dos sentidos do suor.

Porque finalmente percebi que só há um único poeta, porque não há pedras de poética com páginas arco-íris de pessoas.

Um mundo de máquina aromática permeia a osmose entre o vivo e o morto. Há que deixar de ser para explicar o nome Clorofila.

O meu nome é Clorofila porque agora também vejo a vibração inócua no coração dos átomos.

Vejo as sementes eléctricas que fazem a paz no teu peito. É triste ver um sorriso branco de um abismo de algas. A mosca do destino não te larga.

O meu nome é Clorofila porque finalmente.

Porque a timidez da colheita é uma lenta tontura, a colheita de um sentimento de giz colorido, acordar uma límpida lápide na foz de leite.

A alegria arsénica é a morte muda da vida. Há que viver e poder morrer para ter o poder de extrudir a Clorofila.

O meu nome é Clorofila porque finalmente. Porque finalmente posso fumar o teu corpo escondido entre o plástico do amor.

segunda-feira, novembro 24, 2003

Por quem os sinos dobram

a decisão
o dia é cedo
a matinal melancolia
faz a gélida luta da vida
na planície do desperdício
a determinação célere

o frio relâmpago
percorre a fruta do corpo
a emergência no vulto do futuro

a arma foragida
lamentável batalha
sobre a infindável cinza

a cicatriz do orgulho
nas asas feridas do destino
na promessa aromática

o homem de cinco
ainda vivo perene
perante a raiva
o brilho calmo
e sem chama
enlouqueceu
com a dor
que o fez
nascer
viver

por quem os sinos
tocam o tempo
inexorável
por quem
os sinos
dobram

o mistério de névoa
integra os olhos
estranha viagem

ouvimos a líquida fúria do silêncio

no desmantelar da aurora
tudo deixou de existir
excepto a vontade
de Ser

por quem os sinos
tocam o tempo
inexorável
por quem
os sinos
dobram

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interpretação poética de “For Whom The Bell Tolls”
Metallica – "Ride the lightning" (1984)


quarta-feira, novembro 19, 2003

Oceano azulíneo


Escrevo este verso porque tu és o sexo do seu corpo, porque cada palavra é a tua brisa por mim, cada som é a minha mão que passa sobre o verso.

Escrevo esta secreta hamonia porque o teu corpo fecha a solidão metálica no micro-ondas, porque também a tua sombra ausente é uma alegre vertigem de mel.

Cada sílaba é uma pequena espuma do teu perfume de plasma, lembra-me a chuva tropical com cores que pensava já não existirem.

O universo da tua imagem dilui-se em sorrisos quentes pelo meu corpo.

A tua viagem sobre mim é um anzol musical, há um lençol de arco-íris nos teus olhos que ultrapassa toda a penumbra de uma distância milimétrica.

Um misterioso intervalo.

Entre os vales, aquele espaço de leite e algodão que me leva até ti.

Escrevo este verso porque tu és o brilho que mantém as letras unidas, porque se ergue um sentimento adormecido em cada curva que te pertence.

A vida é uma tempestade que se junta ao sol na tua forma de alecrim.


terça-feira, novembro 18, 2003

Fomos


Hoje somos um murmúrio preto.

O som de uma sombra que procura cega o vulto hirto.

A verdade dorme num sonho de gumes confortáveis, já não há a dor jovem e transparente da vitória, já não se faz sanguar os gritos desconhecidos do mar.

As gaivotas são tranquilamente mudas. São o luto de Portugal.

Havia um terreno líquido a percorrer, uma Bíblia que inflamava o músculo até à exaustão. Havia a chuva humana que cantava os frutos originais d'Os Lusíadas.

Os livros vão-se comendo com a espada de uma viagem ao vazio. Escondemos a bandeira luminosa do nosso pai num livro de pó.

Para esquecer o suor. Para desvanecer a glória. Para enganar o sangue.
Para deixar de ser um pouco de cada vez que acordamos.

As mulheres já não esperam pela temperatura musical. As crianças pensam que não existe verdade na voz do vento. Que foi uma primavera de papel na História.

Não vivemos, não matamos o corpo com o cansaço da glória, nunca houve muralhas fora de páginas brancas.

As quinas são nevoeiro liquefeito, palavras escritas com pressa.

Já nem Deus sabe quem fomos.


quinta-feira, novembro 13, 2003

Doces de Setembro


Há mulheres que são um mar de mãos, uma melodia de memória que vamos despertando nos gritos do sémen.

Por vezes há um pássaro que me desperta da alegria prolongada de uma lingerie.

Temos muitas plantas à flor da pele, que penetram em nevoeiros semíferos, e há umbigos que nos continuam sempre desconhecidos.

Há rios de pérolas, visões coloridas que deixamos em vidros, há suor que nunca se sente no sangue.

Lentamente, vamos abafando cristais, contamos mentiras ao mundo para permitir as árvores e os frutos melosos da inocência.

Comemos maçãs doces, descansamos ofegantes das marés, perto de uma praia nocturna, onde os morcegos não atormentam as imagens tentaculares.

Há navios com portos de precipício, que nunca morrem no veludo inquisidor do oceano.

Há mulheres que fazem da melodia uma branca memória marítima.


terça-feira, novembro 11, 2003

Há lágrimas que são sorrisos


O teu corpo de desassossego estende a mão de lava sobre a vida da noite, um universo que se transforma numa vertigem de creme repentina.

A tua mão tranquila mas prolongada, suave mas demorada, não deixa a lua morrer no berço das estrelas, numa luz lápide do ar.

Porque há uma viagem sobre a tua pele que ainda não me pertence.

Há um leite que se mistura no sangue e não me deixa descansar esta noite. Uma semente que origina árvores daltónicas, que matam a preguiça pesada dos sentimentos.

O suor de algumas palavras nasce sobre o leve umbral do vulcão, lembra-me porque é que os lençóis não têm quente além do pensamento.

Mas algures na memória do futuro há um vulto de estrelas que se origina, há qualquer lágrima de ti que se transforma num sorriso.

Há um doce vinho de loucura sobre a mesa. Há um pouco de vida que se guarda como um tesouro prismático.

Há sexo que não se explica com a fricção da pele.


sexta-feira, novembro 07, 2003

As crianças ainda não sabem


Elas ainda não sabem o que ateia o fogo furagido, as crianças, ainda não sabem que a vida e o mundo não têm sentido, nenhum segundo comprometido.

Brincam nos buracos do futuro diurno e virgem, os putos, julgam que o que está fora da planície do homem faz algum sentido.

Julgam que o que não é homem faz parte do perfil perene da vida. As crianças ainda são transparentes ao fumo funicular.

As crianças, as pedras preliminares e rosadas, partidas e combinadas.

Elas ainda não sabem que o sentido é uma senda, que é uma palavra pura sem corpo. Não sabem ainda que é uma palavra que se perdeu num poema, num grito descrito em melodias mudas.

Não sabem ainda que o único quente é a jangada de pássaros sobre o polén do sangue. Que a única estação de suor com sentido maquinal é dentro das pernas de uma mulher malmequer.

Elas ainda não sabem que o quente fica frio, que o gelo da chuva nasce nas montanhas de todos os problemas, de todos os olhos cobertos de névoa.

As crianças ainda não sabem. As crianças ainda não vivem.


quinta-feira, novembro 06, 2003

Mapa de alquimias


Quero viver na areia da inocência, num mapa incógnito de aveia química.

Quero nascer numa nuvem clássica de acetona aromático, perto de um precipício sintomático. Nuns lábios que tenham uma semelhança muda com o teu perfume, uma esperança de lâminas arábicas.

A ponte de madeira prolonga-nos para a aridez da chuva, é um deserto líquido de segredos, de sons marginais de nicotina plasmática.

Mas também gosto que o teu sangue se perca no meu abismo de aforismos.

Gosto que o teu suor invisível deixe dicionários sem sentido, partidos no chão liquefeito. Gosto de nascer morto de sede.

Na procura de um som sombreado, de um universo único, que se encontra num mapa de alquimias.

É nessa tua árvore impulsiva que encontro algumas sombras de silêncio, que ainda me pertencem. Nasceram perto do suplício difícil das rosas.

Amo os rastos dessas sementes surdas do meu corpo, a lava que vive ainda no teu estrume.


segunda-feira, novembro 03, 2003

O trigo branco silencioso


Quando vi o branco estava a falar com o preto. A falar com flores, pétalas de falácias cromadas. E tu surgiste do nada absoluto, pendente de um fogo âmbar de uma estrela, um timbre que se diz prolongado sobre o corpo da noite.

Lembrei-me logo de um palácio de paredes de açúcar.

Vi-te, uma bandeira de cores construídas, desfraldada no oceano de ópio sedoso. Uma pedra luminosa no deserto das incertezas.

E sorriste como ninguém.

Mas não devias, essa luz simples, esse sorriso de fogueira, ainda nos há-de matar a todos, todos os tolos de um dia num segundo.

Esse aço branco lembra-me que os nenúfares são baralhos de cartas.

Afinal ainda tenho nas mãos um jogo de trigo silencioso. Mas estou seguro, o doce de amora, uma lembrança de geleia ainda me vai acordar de um mar salgado.

Sim, todas as noites. Todas as noites esse sorriso de faca vai-me inventar novamente. Vai-me lembrar que eu pertenço a nada, e por isso posso abraçar os braços do universo, posso navegar no leite dos versos.

E assim os meus olhos foram com o teu corpo, acompanharam-te até um plano quente, um lago docemente inclinado e sem interrogações.

Eles contaram-me como se vive em casas de lençóis, onde há pedaços de felicidade espalhados no vidro das janelas.


sábado, novembro 01, 2003

Os papiros de clorofila

Perdi-me nas páginas áridas, em mãos rosadas de leite marítimo, onde o vento junta os braços das letras pretas. Perto navegava um nome arqueado. A tua pele.

Os papiros, tinha-os guardados numa parede de lava, pálida e agreste sobre a montanha. Perdi-os. Perdi o meu nome de vidro no plâncton arenoso das ideologias.

Não distingo as lágrimas do suor vermelho das alquimias, o fumo clorofila dos beijos brancos. Onde está a tua casa que escrevia escadas de água?

Uma alma de álcool vagueia no sorriso, ondas desconhecidas nos lençóis de acetona, existe ainda um cruzamento de estuque cinzento, onde os momentos constroem os pilares das histórias, os berços almofadados e ortogonais dos livros.

Os papiros que escrevi sobre o quente que emana do teu corpo. Os papiros de clorofila.

Vou escrevê-los novamente numa prata, oculto das pedras escorregadias da memória.

O pulmão de sentidos desperta lentamente na humidade láctea do silêncio, onde tu penetras na plenitude, no prisma sólido dos segredos.

Somos os papiros secretos de clorofila.



terça-feira, outubro 28, 2003

Diferença

Às vezes fazes parte do mar milimétrico, dos grãos declinados de açúcar, às vezes, quando morre a diferença entre o pensamento e a melodia.

Às vezes quando passas no pensamento, o sangue acelerado faz mais sentido. A vida evita que a morte das palavras líquidas se torne cansativa e demoníaca.

O perfume parte-se, preenche uma falésia de riachos, algumas páginas de sons, lembro-me das avenidas pretas dos labirintos. Alguém as disse, um dia. A vida sempre é mais do que murmúrios marginais de maresia.

O mundo deixa em cima da almofada algumas perguntas de lâminas brancas, flores que me beijam na palidez da chuva fria. Às vezes desaparece a diferença entre o preto e o branco.

Às vezes tu apareces quente na crista das ondas, a matar as subtilezas das marés.

Às vezes eu faço sentido.

Às vezes vivo.

terça-feira, outubro 21, 2003

A espada do desejo


Estou cansado, do desejo, da noite e do dia. A diferença líquida faz a mão escorregar sozinha, no corpo invisível que desconheço.

A ponte de vapor ácido para o húmus dos sentimentos, quando as pequenas sombras de luz são encolhidas na noite, no íris placento do dia morto.

Estou cansado dos braços assados no aço lamacento do tempo. Estou cansado dos momentos serem pensamentos.

Estou cansado da guerra não ter cara nem nome, não ter coroa nem fome.

O devorador das sementes singulares, sumos diurnos e sonhos pendulares. Tudo o que o tempo bebe e deleita na cama curvilínea das nuvens.

Os olhos alimentam-se do fogo inerte, algumas histórias esquecidas e frutos desvanecidos. Algumas montanhas de gelo são entretanto erguidas.

O carvão húmido da combustão, há ainda o destino de óleo mergulhado nas paredes surdas. Nas costas brancas e direitas dos museus. A melodia que perdura, tempos marítimos e bandeiras arqueadas.

Ainda a espada da memória, nas páginas do mar.

quinta-feira, outubro 16, 2003

O vento entre a pedra e a almofada


A inocência mata, tanto como o cigarro que pinta o pulmão, perto do coração. Como uma bomba de tinta em sangue. Tanto como o cheiro inodoro do silêncio das rosas, as sombras de cores límpidas que se perdem numa estrada de poeira. Nesta estrada que a inocência mata.

As pegadas da tua escultura são laminares, só eu as entendo. Só eu compreendo a distância, o caminho de luz entre a tua alma e o vento.

Uma laranja cresce no leite laminar da troca de palavras, uma águia de lama que perdura lentamente no pensamento. No momento que tinha no bolso da página.

Mas a ti não te chega a luz ténue, tu difundes-te. Não deixas o relógio morrer nas mãos líquidas dos segundos que vão morrendo.

As minhas palavras passam, perdem-se no labirinto da pele, carregadas de sentimentos invisíveis, passam inertes pelas folhas estendidas. A tua vela de significados é-lhes indiferente.

O vento faz a diferença entre a pedra e a almofada. Entre o sonho e o teu último beijo do momento. Este tempo que é só do pensamento.

A pintura fica como o pulmão preto de óleo, como o som seco daquilo que não existe. E a minha sombra é preliminar, indica que vou partir mais um vidro de vento num livro.


quarta-feira, outubro 15, 2003

O cinema de sentimentos


A brisa que arranha os olhos límpidos das letras é fria. A alma de lava preta deixa um ferida prolongada na eminência da noite.

O rio lúcido de algas estremece numa sombra do sol.

As cores de um quadro de Klee relembra-me que afinal ainda existo. Afinal ainda penso. Afinal ainda estás aqui.

Afinal sou. Ainda alguns traços de um desenho de palavras, irrequietos, como os dedos que percorrem o suor do tempo. Esta ponte que lês.

Comida cinzenta.

Algumas pedras com o sabor líquido da ausência preenchida. A chuva de som incolor escreve na pele árida, um cinema de sentimentos, um pouco de tinta na margem pictórica da memória.

O relógio que se partiu em sorrisos. Afinal não eram vidros, o cinema.

segunda-feira, outubro 13, 2003

Mordo


Mordo gradualmente a água invisível do teu corpo, o templo nobre sobre o Alentejo, lentamente, ao longo da viagem de silêncio, enquanto as nuvens do sol não se escondem.

Por trás dos teus cabelos, as montanhas de algodão escorrem fáceis das mãos áridas, entre os dedos, morrem em desejo pálido.

Mordo miragens cor de rosa, paisagens de pétalas.

O teu caminho calmo passa entre os segundos, entre os tempos de inércia da chuva. Congratulo-me de ter sido atropelado nessa barragem. Acordei, dentro de uma página branca. Agora a morte do teu perfume permanece a leste de um sonho que não existe no mundo.

O desfiladeiro de sombras, entre a seda de um beijo que nasceu. Entro devasso no suor dos teus olhos, onde dormem os pilares do arco íris. Mordo as barragens de tília misteriosa, com os dentes da sede solta.

Mordo a tua parte de mim, perto da falésia do fim do dia.

A infância decorre no parapeito de aço dúctil, onde a capa de um livro inerte é brilhante. Um braço de sentimentos, fútil, cai de uma janela de gritos inodoros.

Morro no muro, contigo, numa gruta quente de alecrim.

sexta-feira, outubro 10, 2003

A voz void


O vermelho, o verde. As flores do iceberg da descoberta.

A noz da nuvem quebra-se na leitura da voz. A voz do void, que tinha sinas nas mãos do oceano.

O grito dissimina-se em arcos de névoa, entre panos e hastes. Estrelas com luz murcha, mortas de brilho vulcânico. Sózinhas com sementes de almas soltas.

Falta o sémen de aço de Afonso, nas gretas da cortiça. O vinho da resina acusa a melodia do tempo, rugas, os anos. A espada de sangue que beija as cebolas húmidas do tempo.

Um esqueleto de fumo, nasce ainda nas colinas da saudade. A alegre temperança do soldado.

A imagem da montanha azul, desfaz-se numa terra de duas cidades. Depois de limpas as mocidades, as urtigas do rastro da falésia. São árvores indesejadas, pedras de água, em vapor.

Fazem-se as sombras das ondas, no planalto manso da bandeira. Cruzes e quinas aladas, perseguem almas perturbadas, pela glória, a noz da letargia, as sombras dos sumos marítimos.

Restam os Cantos, os dez sumos lacrados. Num caixão de papel.

A voz nutrida da noz lusa, em pedaços doces de memória.


segunda-feira, outubro 06, 2003

Gostava


Gostava. Ao olhar para ti, gostava que o teu corpo fizesse os meus braços, as árvores com a fome implacável da melodia.

Um planalto de laços, descansam dormentes, amordaçam o limbo e a chuva da floresta. As árvores húmidas da rebeldia. Gostava que fosse inealável. Desesperava por um pouco de música que fizesse sentido. Um tom que distinga o bisonte da mosca.

Um rio absorve, derruba em leite, lentamente, os teus cabelos, longos, pardos. Abrem estradas, rosas alagadas, num declive de uma escada. Degraus invisíveis.

Eu deixo morrer a maresia de plátanos.

Deixo-me ir no ar arenoso. Deixo de ser o açúcar do sal. Sou indistinto. Deixo-me de letras e palavras e parto latas de líquido. Para derreter o teu cheiro de carne secreta, pedaços de alma indiscreta.

Gostava que, sobre a tua pele, queimasse o meu destino, num mar marítimo. Límpido e líquido, como um mapa de cartas para o signo.

Eu sou, em cada passo, um sapato teu. Definitivo, como um vinho de livros verdadeiros.

Em cada momento, alternativo ao som do pássaro, nas asas que deixam as interrogações serem solitárias, as paredes pretas de nuvens.

O algodão ácido que deixas em bolas de húmus, lentas madeixas em concórdia.


domingo, outubro 05, 2003

As sementes cinzentas


Sou inerente à água do tempo. Mesmo á beira frugal da falésia.

Aquele nome que vem indomável do escuro preto, inóspito e húmido. Aquela música, que dizemos invisível e dentro de um livro cinzento, pequenas gotículas de infância, sobre a lombada, o corpo de uma porta lacrada.

O eixo mortal dos segredos, que deixam o dia em suor. O marfim, que pesa no livro cinzento, de sementes ásperas.

Mas o som nasce, quando os dedos tocam no sol. Uma bola joga luminosa. Novamente, num berço virgem de ervilhas.

Ervilhas que fazem ouro do precipício, quando a manhã é o dia que vou desbastar, uma cortiça, folhas escritas e dobradas. Manuscritas e quebradas. Escritas no tempo da memória seca, nas páginas marginais das sementes, nas páginas da Árvore. Na minha alma de lama.

E deixo o sal cair, perto do sol, e morrer de letras que não são minhas. Lentamente, ao longo da estrada. Como um livro que não escrevo, nem leio.

Não quero comer mais maças de incógnitas. Até chegar ao fim, e ao princípio da encruzilhada dos segredos. Os segredos deixam-me indiferente á vida. Mas diferente na lida, do cinema de novelos.

Os novelos de aço que pingam, de outros novelos sem fim, leite e pão de água branda. Ideias brancas que fazem o meu momento. Deixam a claro o sémen do pensamento. Enquanto os anos passam, os novelos desfiam o vazio do gelo, e preenchem momentos de pensamento, inertes.

Achamos que deixamos de ser o momento, que perdemos o pensamento num riacho, numa descida declivada de braços.

Achamos, tristes, que fazemos parte do tempo. Da ponte para a estrada láctea, plancton para as ideias do corpo, cansado de sentimentos.


sexta-feira, outubro 03, 2003

Portugal

Hoje os dias são noites, distantes, numa linha de luz inócua, na terra do Infante que já não existe. Contamos histórias em que as noites eram dias.

Hoje, o tempo repassa inerte nas velas desfiadas, outrora firmes num sonho hirto, onde punhamos padrões e religiões luminosas em terras virgens, com a sede da destruição benévola do Homem.

A alma dista um segundo da onda límpida, um mundo no coração do turbilhão português, no fundo do mundo, que já não existe no gume das dunas de areia, são desconhecidas, imperceptíveis.

Hoje, nos cais invisíveis, a cruz segura e cálida, a voz inodora de Cristo, ainda persiste nas galeras, que já não vão ao mar, revolto, demoníaco demais nestes dias de óleo, arriscado demais, para quem vendeu as sementes da alma. Jaz a lenta cadeia da preguiça branca. O devaneio louco da loucura arrastada e sapiente.

As galeras agora são cabelos grisalhos, que caem brancos e pálidos.

Hoje, restam os grãos de sal nos campos desertos, e o fumo das máquinas endinheiradas, envolvendo as caixas pretas de betão, sufocando com névoa a Torre branca e sózinha.

Uma árvore que traz o sentimento humano, da terra húmida. A Torre cada vez mais só, no meio da espuma das palavras. No meio dos pilares dos livros e autos antigos.

Hoje deixamos de ser, fomos Portugal, somos portugal. A bruma da montanha seca que dorme no planalto de pedras soltas.


quinta-feira, outubro 02, 2003

mar límpido do momento


tu
és vela
numa falésia
de maresia brava
onde vou tu andas
num sonho de nuvens
sobre o meu pensamento
onde me sou tu nadas
no mar límpido do momento
numa faca de amnésia
onde o sangue escreve
ventos soltos de sol
por onde tu andas
na linha ténue
das ondas
do rio
eu


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A fusão no neon leite do teu corpo


reflito o meu sonho
no neon leite do teu corpo
no intervalo de tempo
e de vida
no álcool das palavras
que nos separam
a ilusão inevitável do verão
e do inverno cupido

o feno
de suco alexandrino
percorre os teus braços
de penumbra límpida
luminosa
dentro de um desejo
e dança encandescente
arcos simples de memória nova

esta melodia
de mel e iguaria
coloca a deambulação
perto das pernas do mar
contando histórias laminares
que estende numa mão
ampla e aflita
o teu açucar de rosa

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A alameda cristalina


o frio da inocência
deixa uma lágrima
no bordo de uma palavra
um barco líquido
que faz o teu corpo nascer
num veludo de conforto
perco-me no palco
de cristal
nesta alameda
de mel
e pintura diamante.

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A inocência de algumas discrepâncias


eu era um turismo de pensamentos
secretos pelos trilhos rurais
e momentos sozinhos
o fumo funicular
de maresia natural
a manhã banhou o mar
a água que desenhava o corpo
do dia adolescente
árvores
casas
o sal
o meu corpo inquieto
e toda a vida que agitava
a vibração das pedras mortas
pelas ruas de cal
de pessoas
nomes
todas as coisas mortas
que dão nome às coisas vivas
e a banha lenta da saudade
que lambe um conceito
o da quinta essência
que acerca o peito de inocência
e algumas discrepâncias.

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Na margem húmida da madrugada


este é um tempo pleno
de momentos
de luzes luminosas
quando a planície da tua pele
ainda perdura na planta desperta
na margem da madrugada
onde algumas palavras
se confundem com o atletismo
das hormonas de neon quente
dilacerante
depois da tua noite
de amplexo sanguínea
tornei-me límpido como o ar
limpo e verde das florestas originais
depois de telemóvel ter ampliado
o estrume da humidade
nos sentimentos de cristal lácteo
eu sento-me
no sofá sozinho ponderado
e costuro com tijolos e letras de lã
o sentido napa dos dias líquidos
a vida após a luz adolescente
e marginal da madrugada.


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Universo de um rosto


no limiar
do teu lábio
existe o líquido
para o precipício
de um universo de leite
enquanto falas com o baton
na estrela de um segredo
que queima
o gelo encarnado
e encardido no meu rosto
enquanto contamos aos amigos
mentiras sobre as palavras
e os versos luminosos
existe um límpido perfil
de silêncio em novelos
e pedras eléctricas
que vão chovendo
nas noites
das melodias engrenadas
a escrita de andorinha
não termina
nem quando o corpo deixa
de ser sozinho no prado
nas colheitas do estio.

A fusão inaudível dos gritos sozinhos

assim vão as casas
de vida no vento
na sombra das asas
de segredos sonolentos
descobertos pelos líquenes
assim sai de mim
o pelo dos segundos
quando o dia passa
no fim da flecha
numa alegria
em que digo adeus
ao momento
que construiu o som da pele
o arroz inaudível
dos gritos sozinhos
sobre o gelo do nome
ácido das pedras
o que separa os corpos da fusão
essas vértebras liquefeitas
da fuligem que perdura
nas palavras trocadas
entre as pontes
que fizemos no mar
nascer juntos ao sol.

A inflamação das uvas herméticas


namoro uma amora
contigo em novo trigo
uma placenta de um jogo
que se inflama num lençol
momentos em cachos de uvas
e sumos açucarenos de imagens
vinha escrito nos jornais de hoje
em itálicos cabeçalhos
palavras tuas de cantiga
esse prazer eléctrico
que vem da saliva
de uma área compulsiva
e hermética

saimos do carro
chovia
estava o vento
a fechar as portas de cristal
sobre o linho arado do passado
à beira de um fogo de mar
quebrou-se
a voz do silêncio lavrado
e segredos mortos
as libélulas libertas num líquido
nesse mar de gaivotas gratas
que diz a fúria cega do futuro
das garças no areal
no convento
de todos os planos invisíveis
alguns oblíquos
de algas clássicas

o meu alimento é o acuçar que ceifa
a tua língua rubra de um sonho.

O teu pólen no poema

o dia em que o desejo
vestiu uma camisa
de algodão

um dia
já sabia
que te ias daqui
embora num dia
quando o calor das borboletas
limpou vidros no inverno de sal
por isso escondi o beijo
do teu corpo clássico
nas letras límpidas
num poema
de plancton e cálcio
assim as estrelas nascem
numa noite a norte permanente
e o teu cheio permanece
num palavra viva de gás vital

embora também o lamento
gástrico
este orvalho vá
num momento em pó de ar
até ficar apenas um frasco
de estrias vazio
com o teu nome
no rótulo em cristal crítico



segunda-feira, setembro 08, 2003

universo de um rosto

no limiar
do teu lábio
existe o líquido
para o precipício
de um universo de leite
enquanto falas com o baton
na estrela de um segredo
que queima
o gelo encarnado
e encardido no meu rosto
enquanto contamos aos amigos
mentiras sobre as palavras
e os versos luminosos
existe um límpido perfil
de silêncio em novelos
e pedras eléctricas
que vão chovendo
nas noites
das melodias engrenadas
a escrita de andorinha
não termina
nem quando o corpo deixa
de ser sozinho no prado
nas colheitas do estio
iguaria de fogo

não sei porque corro para o fim
se ele é que vem ter comigo
devagar fora de mim
como um prego
aguçado
e sem
cor
se é
como
tu olhas
para o lado
quando vais
na sala fumegada
e pensas num prado
com o cigarro de outro
lume e pele numa montanha
a morrer num sangue sem som

mas quando te lembras do meu nome
cai uma chuva velha e ferrugenta
e o teu olhar descansa sem
um rebanho de lenha
numa abelha azul
e que me fustiga
a pequena dor
premente
durante
o dia
hoje
e
eu
quero
esquecer tudo
num sonho grácil
que seja transparente
como um ventre místico
de iguaria e especiaria índia
onde nascem plantas com nome
e corredores de portas novas de fogo