sexta-feira, outubro 03, 2003

Portugal

Hoje os dias são noites, distantes, numa linha de luz inócua, na terra do Infante que já não existe. Contamos histórias em que as noites eram dias.

Hoje, o tempo repassa inerte nas velas desfiadas, outrora firmes num sonho hirto, onde punhamos padrões e religiões luminosas em terras virgens, com a sede da destruição benévola do Homem.

A alma dista um segundo da onda límpida, um mundo no coração do turbilhão português, no fundo do mundo, que já não existe no gume das dunas de areia, são desconhecidas, imperceptíveis.

Hoje, nos cais invisíveis, a cruz segura e cálida, a voz inodora de Cristo, ainda persiste nas galeras, que já não vão ao mar, revolto, demoníaco demais nestes dias de óleo, arriscado demais, para quem vendeu as sementes da alma. Jaz a lenta cadeia da preguiça branca. O devaneio louco da loucura arrastada e sapiente.

As galeras agora são cabelos grisalhos, que caem brancos e pálidos.

Hoje, restam os grãos de sal nos campos desertos, e o fumo das máquinas endinheiradas, envolvendo as caixas pretas de betão, sufocando com névoa a Torre branca e sózinha.

Uma árvore que traz o sentimento humano, da terra húmida. A Torre cada vez mais só, no meio da espuma das palavras. No meio dos pilares dos livros e autos antigos.

Hoje deixamos de ser, fomos Portugal, somos portugal. A bruma da montanha seca que dorme no planalto de pedras soltas.


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