segunda-feira, dezembro 06, 2004

as árvores de Sofia (dois)

(homenagem a Sofia de Mello Breyner Andersen)

não compreendo a lágrima
que se transporta numa barca
em ruas pela Graça Lisboa
Sofia tem ainda
livros por escrever com
os dedos algodão das nuvens

chorar é um sentido
presente em quem não fez
aduelas da vida um caminho
o pranto que não ultrapassamos
em latitudes translúcidas

ainda não toquei no perfume
que me inibe a tranquilidade

Sofia é como os livros
e os livros são como Sofia
fazem parte de um armário
onde apreciamos florir
em sonhos imortais

não há lágrimas de acuçar
que alimentem os nenúfares
esfomeados da leitura
uma sede transparente
penetra entre
os versos
descoberta

a poetiza não desapareceu
faz parte do principal
cristal arde
uma fotografia
um jornal
confirma a perpertuidade
das árvores que nascem nas páginas
alguns livros sonhos lidos


sábado, novembro 20, 2004

templo das estações

uma música desce sobre a pele fronteiriça
também há desertos de luz incidente
tranquilos rios de sonhos agrestes
consumidos no ruído
do coração ácido
temperamento
das tempestades
dormentes no corpo
embalado pela melodia

apesar das descobertas do sol
qualquer dia desisto
dessa líquida melancia desconhecida
numa dessas viagens interinas
abruptas e salinas

e essa fruta dos ventos
num nevoeiro de fogo atravessa
os lugares que a música
viu nascer ao perto
no amplo crustáceo
templo das estações

quarta-feira, agosto 25, 2004

amorgência

simples sentado
sinto que sim
e sonho com isso
acordado e deitado
sem dormir um segundo
nascido numa margem
de morangos cintilantes
quando o sumo da fome
transmite um corpo
de emergência
nas mulheres labirínticas
dos supermercados

elas desenham figuras
num espaço invisível ao suor
escrevem um tratado
de emergência amor
amorgência
amor
emergência
agora



domingo, agosto 01, 2004

o clima dos teus cabelos

vem ai uma tempestade
na relva do mar
no teu corpo de água
havia um reflexo inquieto
imperdoável

vou em frente em
direção à nuvem branca
numa harpa de temperatura
que se aproxima da noite
um caldo intranquilo
no sonho do fogo

uma piscina de memórias
permite um prisma
de devassidão
no clima
nos teus cabelos

recusas o suor
límpido da busca
labiríntica nos lábios
e a
paisagem transpira
nas montanhas interrogativas
do amor descoberta de cristal
somos todos
um aço ferido
deste animal temperado
e vulcânico



segunda-feira, julho 19, 2004

cor da miragem

a tua
miragem
ela vem entre a
madrugada e a perfurada
alga transparente do coração
vem a passo certo perto
do vento árido do aço
entre a clássica praia
onde a vagina é
temperada com
o vapor da
viagem

uma praia de
pele e espuma

deixo os dedos
em feixe suado
um peixe veludar
numa vibração da
temperatura tranquila

reconheço a silhueta
a minha sombra de punhal
perpendicular ao
desejo delimitado

uma nuvem
de napa vermelho
relembra o
cansaço paralelo
ao amor

quinta-feira, julho 08, 2004

Ritmo de morangos

Olhei um momento pela janela eterna das árvores, pensei que tinha encontrado uma ideia de um sentimento afogado na inocência.

Uma música beje tempera o vulção do teu lábio.

Agora não estás. Um sumo sonoro e clássico distrai o desejo.

Era apenas o meu coração que pensava, enquanto a mente sentia o ritmo aflorado dos teus morangos sobre a minha pele.

Em suma sinto a falta da tua presença. O alimento que o teu perfume penetra lentamente sobre a cinza dos três dias.

A falta de uma alfomada ao lado pode provocar uma tempestade no corpo.

Uma música leve tenta um turbilhão para o teu lábio em falta.

Agora já estás.

Um poema.


terça-feira, julho 06, 2004

As árvores de Sofia

Não compreendo a lágrima que se transporta numa barca pelas ruas da Graça. Quando Sofia tem ainda livros por escrever com os dedos do algodão nas nuvens.

Só faz sentido chorar quem nada fez na aduela da vida ... como choramos a parte que não alcançamos de nós próprios.

Ainda não toquei no perfume que me inibe a tranquilidade.

Sofia é como os livros e os livros são como Sofia, fazem parte de um armário onde apreciamos florir com os sonhos imortais.

Não há lágrimas de acuçar que alimentem os nenúfares esfomeados da leitura, uma sede transparente penetra-se entre os versos da descoberta.

A poetiza não desapareceu ... faz parte do principal cristal do verso.

Uma fotografia num jornal confirma a perpertuidade das árvores que nascem nas páginas de alguns livros.


sábado, junho 26, 2004

O aço dos cravos

Uma bandeira perturba o vazio no escuro da sala, deixando as cadeiras na interrogação perene do futuro. E um timbre silencioso relembra-me a cor sinistra do sangue.

Vou-me sentar um pouco nos ponteiros do tempo.

Reparo que estou ainda acordado no meio da vida. Reparo que faço uma estrada desse silêncio líquido que o hino repara.

Sou um segundo de um mar de espuma.

Reparos de uma parada num degrau de uma escada. Centavos que escrevo enquanto me conheço no aço dos cravos.

Uma perna macia permite algumas alegrias luminosas nas rosas. Basta-me uma vitória para percorrer a relva que me leva para ti.


sexta-feira, junho 18, 2004

O Sol da Semente

Vive uma semente com origem num rio, na mais doce espuma da alma, entre nós há um sol de Fevereiro em flor.

Uma voz ainda ausente mas presente quando a luz se sente.

Conheço as minhas mãos e a viagem que perfaz o som do destino. A melodia que elas criam na tua pele aquecem as pétalas dessa origem benévola.

Uma chama dilacera devagar as tristezas do tempo. Ainda te sinto como um sino na praia do castelo.

Todas as noites eu tenho no corpo uma verdade, uma herdade, uma penumbra que morre numa montanha.

A ondulação da voz na rosa de um jardim, entre o jogo da vida.

Há nove livros para ler em lençois pretos e brancos, mas eu assino o sinal com uma cor transparente, essa minha e tua semente.

Um sorriso no sol que se sente.


domingo, junho 13, 2004

A Lealdade da Lingerie

Deixo de ser até onde a lâmina termina, depois vem o tempo no vento do teu corpo. E acorda-me novamente.

Assimilo as sementes das flores pálidas que desenham os grafitis.

Volto a encontrar-te num condor de uma gôndola que permeia o quente lento. Continua esse comportamento estranho nos pássaros que me satisfaz.

Todas as mulheres do mundo vivem num perfume que segrega na tua pele húmida. Sinto esse cheiro quando te toco nas cinzas.

Um sumo de melodia transparece no grito do dia translúcido.

E os poetas que ninguém conhece continuam a olhar esse voo anormal das nuvens, a escutar o pólen da inquietude nos gatos intranquilos .

Por vezes, a lingerie que se encontra na nudez da noite é a alma mais humana, no mundo das coisas inertes.

Aprecio cantar essa lealdade animal sobreposta à materia dos objectos.


quarta-feira, junho 09, 2004

A mutação da Esfera Armilar


De ontem para hoje uma vegetação marítima transporta-me numa alga de sal temperado. E um descobrimento acorda-me na mutação dos gritos pátrios.

Sou ainda português.

Há fogos não apreendidos que respiram no peito da saudade. E pelo corpo da alma fazemos um estaleiro com os músculos desfiados.

Tentamos uma cor de tinteiro dual na montanha da penumbra.

Neste dia esférico, como no anterior e no seguinte passo para uma relva vulgar e húmida seiva lusa. Esquecemos as viagens da esfera armilar.

Esquecemos o esforço. As horas e o tempo que o ouro levou ao tempo.

Trocámos a exaustão do oceano pelo coração, mas há ainda laços tranquilos de braços pretos. Há redes de pesca na bandeira enérgica do corpo.

Sou um peixe salgado.

Sou um anzol fácil.


domingo, maio 30, 2004

Carne de Chocolate


Segredos de sémem sujos
sobre o aço da vitória
que aumentam o potencial
da tua emergência de névoa

Um leite de uva deixa
sobre o braço da glória
no autêntico manancial
uma transcrição tua segura

Mulher de vinho lácteo
uma luva de futuro
de algo que se pode dizer
nesta tempestade branca

Queima no dente clássico
devagar o meu pénis da pátria
perpendicular ao teu sorriso

Ainda gosto e ainda sou eu
nessas tapetes de peles raras


terça-feira, maio 25, 2004

Os dias em que os leitores são sabonetes


O leitor é um sabonete. A maior parte dos momentos é um rabanete despenteado de poesia, que se julga até poeta lendo prosa dentro de um prisma.

São básicos os leitores.

São básicos os editores sabonetes.

Voltam a ser básicos os leitores.

Todos menos o Poeta. Essa ferida. O açúcar querido do sangue.

São mármores os poetas que comem a memória do Poeta. Deixam de ser básicos. Deixam de ser leitores. Editores ou chapéu sabonete.

Gosto do pó verdadeiro sobre o sabão existencial do corpo.

Gosto da alga verdadeira que perdura no cheiro do poema.

Mas todas as pessoas julgam que os sabonetes são pessoas. Os clarinetes de ferrugem que lavam palavras nas palavras melódicas das palavras.

É por isso que ninguém me atende. Nem eu compreendo o atendimento de ninguém ao meu texto preso na aragem.

É por isso que há comentários idiotas a cada poema que deixa.


segunda-feira, abril 26, 2004

Havia alguém na praia para beijar


A praia de uma nação inicia um músculo de mistério. Para além de mim não há ninguém senão o que eras tu.

Aqui sou muito lentamente alguém. Havia uma bandeira de areia que as naus prenunciavam.

Alguém da memória numa maresia. Havias tu numa falésia.

Havia ainda um beijo sozinho para acompanhar ao destino.

Nessa ilha onde nunca me encontrei, fui uma esperança de especiaria que te fez um tijolo de luz tranquila.

Nesse mar que temperava a terra fui mais um pouco e ninguém me continua além de mim próprio.

A exaustão da cor um pouco por toda a areia do mar.

Esta calma é uma explosão de mosquitos pensamentos que fazem o vidro vivo. Havia alguém na praia para beijar.

Havia distintamente uma praia ...

Um coração separa-me do mundo e uma porta da tempestade. Procuro uma agricultura de veludo em ti que seja uma nação.


segunda-feira, abril 19, 2004

O corpo do malmequer


São quinze minutos de ondas, em que as pernas se misturam com os cabelos e a memória é o vulcão do mar de malmequer.

Lembro-me do pólen que queima as avenidas por onde o sangue se aventura, quando não tinha nada caminhava, e ainda assim trepidava um perfume.

Contigo uma recta límpida de um lume.

Há um abismo que nos conhece de perto. Há um amor que desvanece as lâminas do secretismo.

É assim que te encontro na árvore das ondas.

Acordas-me do corpo. E depois sou obrigado a viver.



segunda-feira, abril 12, 2004

capri azulemente

é aqui a porta funicular para
o que se acaba no pensamento

capri
há um fim da escrita na pluma

o lápis pálido do mar é infinito no corpo
português
por isso sinto
a cor
qualquer bandeira

qualquer parte de lábio
nas margaridas limpas
num papiro de pele

aqui

encontro na subida da falésia luminosa
e fácil tentacular
o fim
de alguma viagem
o princípio do início capri

há um leite infinito
que lembra temperatura
corpos que procuram
aqui capri
vejo o lazuri fresco e sinto
o planeta assustado dos poetas
um vento virgem assola
as mãos vazias
líquidas lusas

e lembrei-me do teu primeiro
olhar havia flores de memória
uma margem que arejava
nos beijos


sábado, abril 03, 2004

O tratado dos trabalhos do homem


O teu pensamento interactivo deixa-me descansado, leva-me pálido na planície de gordura que o nevoeiro foi matando ao longo do tempo.

Leio tudo mas nunca chego a abrir um único livro com a luz branca da morte. As páginas passam por cima das nuvens arejadas.

E os pombos continuam a voar sobre as estátuas sujas de Lisboa.

Neste dia existe uma vela que segura o corpo do mar na minha mão. E todos os trabalhos do homem tentam explicar a invisibilidade do amor numa avenida da vida.

As ruas do Chiado continuam a derramar esse sangue que o castelo português construiu para calar as ondas agitadas.

E ninguém ouve a sombra que as grutas escondem, ninguém verifica o néon que deslumbra a fraqueza dos corações alados.

Eu continuo porque finalmente.

Morri em trabalhos antigos, na língua de aço de um funicular.


terça-feira, março 23, 2004

Depois do grito o azimute


Antes que o frio pictórico
tempere a timidez
da brancura nuvem
vou ser a tela cera
de olhar infinito.

Uma lama da alma
transporta a alga
translúcida
no lago das
vitórias.

No ar
perdi o corpo
acre de sonhos
na transpiração
natação natural
da tranquilidade.

Fará sentido
derreter-me?

segunda-feira, março 01, 2004

As Sombras do Sol


Acordei. Como se não fosse nada, como se fosse tudo na colmeia de degraus que se encontra alegre na praia inocente. Tu.

É assim que te vou semeando de vento numa avenida de imagens eléctricas e esqueléticas. Há dias em que as plantas não deviam ter sofrido nas páginas de sol sombreado.

O homem vai temperando os ossos virgens com sentimentos que as sombras das plantas imitam. Um campo, uma fogueira de fugitivos que transpiram ideias quase líquidas.

Foi assim que beijei a música mística da alma pela primavera vez.

Adormeci. As estações abelhas que se transformam em chapéus de medos olvidados.

Umas pétalas de vinagre são o sexo com as palavras partidas até que o sangue se evapore numa nuvem de sémem cinzento.

Casas de almofadas transpiram para que as pernas e os braços se possam magoar de pássaros e preliminares de neons.

Vou partir num segredo assim que as estradas rios se desvendarem nas pedras do coração cócoras.

Foi assim que me magoei nos vidros sujos de memória seda pela última vez.


O Som Simples do Sorriso


A luz é ensurdecedoramente doce como o veludo das línguas nos dias da noite.

A lâmina de som tropical transparece numa tua nova fotografia.

A loucura de uma imagem trepa pelo corpo que treme.

A alga do teu beijo transmite-me o silêncio.

A sombra são sorrisos do sol.

A música das pernas.

A miragem.

Simples.

Amor.


quinta-feira, fevereiro 19, 2004

Prisma de plasma


Um dia encontrei uma viagem de desenhar o meu coração na música sintética do nevoeiro. E foi um lento salto plasma de pássaro.

Uma alegria precipitava uma miragem tua sobre a água vidrada de prismas.

Foi assim que te conheci num dia de cinema londrino, numa guitarra de incêndio que me penetrou no fumo do silêncio.

O teu nome. Um timbre aproximava as ideias de um planalto e a primavera escreveu uma noite láctea só para que a tua letra caísse na lâmpada das nuvens.

Uma praia de açúcar em dezenas de decibéis.

O teorema contava uma história de planícies, o tempo de tambor que aproxima as veias de planetas de veludo.

Foi assim que te conheci em vícios de manga.


quinta-feira, fevereiro 12, 2004

Na tua assinatura havia um pulmão


Chamei o cavalo da chuva para o mar dos lençóis e encontrei a mão lenta e maravilhosa das chaves misteriosas.

Interior.

Mais um barco que se encontra na planície do teu corpo. Um pardal que anuncia o vulto de um vulcão.

Havia o teu coração numa ilha de areia.

A penumbra da mente é um umbral de escadas, algumas placas de musgo caem em plasma nas pernas dos pensamentos.

Uma cauda de licor faz o tempo aquoso da noite. Gosto de encontrar no declive da espuma os teus olhos.

A lâmina de uma imagem adormece-me no caudal de um rio ferido.

Foi nessa lombada que conheci um nevoeiro em que os meus olhos tremiam. Havia o frio do desconhecido.

Nos braços de um prisma transparente encontro a descoberta de uma relva de veludo.

Há uma fotografia tua que permanece na caligrafia.

Sempre beijei o rastro da tua assinatura.


A vida do nada


Acorda-me das veias do nada que nascem no meu ouro mais ancestral, sobre a porta penumbra do dia encontra-se o fio mágico para a maçaneta musical da vida.

O meu esqueleto marítimo, um lago lusitano perde-se no pelo dorsal do vento, numa página de veludo que tropeça láctea nos degraus dos teus dedos.

Acorda-me a vida do nada.

Dá-me o sangue da miragem válida, as algas plásticas no suplício dos dicionários. Não há livros que definam o sexo líquido do estado em que me encontro.

Toca-me com a margarida da água e acorda-me e dá-me uma vida marginal do nada.

Os cabelos descendentes escondem o corpo do búzio mais tentacular, as cordas da guitarra que ultrapassam a velocidade plasma da tua pintura.

Toca-me um acorde de seda límpida e acorda-me no limbo tórrido.

Se faz favor acorda-me e dá-me uma das estações que mais tenha a luz nova. Ama-me com o fogo musical da praia crepuscular.


domingo, fevereiro 08, 2004

Os segredos nos dedos


Vou perguntar o teu corpo até que o fôlego do destino se perca na margem do desespero, até que me preencha o sol terminal da brandura.

Até que se esgote o sumo quente das viagens implícitas.

O fogo sedoso que a aurora introduz na tua forma tranquila. Segredos e novelos nas encruzilhadas, primaveras que fogem na chuva dos dedos...

Vou perguntar ao jardim das estações quais as sementes para as árvores tropicais, um palco de teatro transporta figurinas de açúcar para o terraço da pele.

E tudo quando a luz labial se aproxima do suor maquinal das aventuras.

Sim...o meu sonho é o laço do presente.

O brilho e a polifonia do teu rosto tântrico, estou ao abrigo de um beijo nómada que se perdeu no comboio lácteo do sol.

Sim...o meu som é um braço do verão.


sexta-feira, fevereiro 06, 2004

O carvão da carne


Quase podia dizer que estás aqui, na prata fria e sonora da noite. Quase sinto a melodia das feridas em champanhe, perdidas no cálice da miragem musical.

Um vinho de água percorre os degraus de um palácio, há brisas nos dedos que anunciam o suor continuamente declinado das abelhas.

Quase lembra a cinza fumegante na lápide das tempestades.

O sorriso vidrado dos olhos alcança o mundo agitado do coração, um milagre desfia-se numa corola de mel que caminha na página para um vulcão.

As sílabas constroem pedras de especiarias numa cama temperada. Que maresias nos ultrapassam no mar ondulado?

Quase me lembro da placenta curvilínea do futuro, e dos planetas húmidos onde o corpo se esgota das ideias e lamparinas.

Um rio de átomos torna presente o plástico marítimo dos lábios. E o carvão da carne vai-se consumindo no vale funicular dos sumos.


sexta-feira, janeiro 30, 2004

O rio onde nascem as nêsperas


Quando os braços tinham no carvão os beijos inesperados das nêsperas, ainda me lembro de ti na prata nebulosa das margaridas.

Um vulcão adormecido é atravessado pela platina de pólen, a temperatura nasce nas paredes de neon por onde o corpo passa, ainda me lembro do rio que partiu as pedras de aço.

Mas há sombras nos lugares que ficam com as gotas perfumadas da cinza.

A preliminar nuvem das alegrias desvanece a aparente gordura simplista do gume, ainda me lembro do setembro das raias silenciosas.

Mas há ainda frutos circulares nas grutas húmidas das falácias, o pão saloio dos pensamentos permanece no lume brando das plantas pálidas.

O planeta tépido dos legumes trespassa a cauda vegetal dos cometas, o declive inóspito dos cigarros da alma.


quinta-feira, janeiro 29, 2004

A bandeira das lagoas


As sementes da planície sentem-se nas curvas da estrada temperada, e a sede criou plantas pulmonares nos lírios que crescem do suor dos lábios.

A tela da tua pele com tinta transparente ainda por pintar.

Uma tempestade de luz branca percorre as pernas, até ao centro das lagoas onde os teus cabelos deixam decisões nos novelos das alcateias.

Por isso andar de barco sobre a espuma da lã me fascina.

O lobo mais marginal no pensamento da carne é um tentáculo de fibras intermináveis, e todos os dias os lodos são ultrapassados pelas enguias vermelhas.

A descoberta que também sou uma parte do sino do dia, uma melodia transporta-me para as algas oxigenadas.

Tu és uma bandeira de fogo que desfralda o mar sobre a neve nítida ... e o gelo descongelado da memória predispõe-se à tempestade oleosa da morte...

Os dois relógios têm as horas da alma alinhadas nas almofadas.

Sempre te amei húmido no suor difícil dos nevoeiros.


sábado, janeiro 24, 2004

Fragância


Engraçado como o corpo se esfola por sentir e nunca nada vê além do momento. Foi preciso que me tocasses para que conhecesse a fragância do tempo.

Foi preciso que perdesse a alma por uma noite, e vivesse no eco silencioso das paredes que absorvem as histórias das pessoas.

Foi preciso que não vivesse fora das muralhas da pele, no barco alucinante que transporta as pinturas da ebulição dos corpos.

Tudo o que ia escrever sobre a tela foi rapidamente pelas mãos, para a flora da tua pele, onde se desenhou o suor umbral e maquinal do fogo.

Encontrei-te no som interminável do precipício doce do desejo.

Ficaram vestígios da viagem por toda a casa, principalmente no quarto, onde a água sucumbiu ao voo nobre das águias.

E na manhã seguinte restou-me o livro branco da nicotina com que se escreve a imortal memória. O oceano onde se guarda a desarrumação dos brincos e das pulseiras pela casa.


segunda-feira, janeiro 19, 2004

Sombra simples


Inverto a sensação benigna dos pardais até encontrar a mais fulgurante e sensata perversão que faça algum sentido.

Antes que se feche completamente a porta maresia da minha própria ausência. Antes que as plantas ocultas do incenso construam máscaras irreconhecíveis.

Até eu próprio ter um sentido inverso ou um sentimento que alimente o verso infinito da busca. Gosto dessa vertigem húmida que paira sobre o alterego desconhecido.

Não me conheço em qualquer espelho que tenta imitar o corpo.

Há uma dualidade extrema em todo o vinho interior das palavras. Há uma sensualidade de milho que se prenuncia desses universos incógnitos.

O esgoto da inocência é um mar na margem florestal de uma estrada aritmética do corpo fácil.

Gosto que a água perplexa seja definitiva e um meio caminho para a tranquilidade da lua.

Há dois líquidos de uma extrema solução nas unhas da vida. O eu simples e a sua sombra convexa.



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Inspiração poética no argumento de Sentidos In-versos de Ricardo.

segunda-feira, janeiro 12, 2004

O sol do inverno


Esta noite deste-me a paz límpida dos pássaros. Vou guardar este açúcar quente do sol no plátano das almofadas. Vou guardar essa visão das águias num farol de escadas.

Uma viagem vermelha cai sobre o cristal das tuas pernas. Afinal descobri alegre que o tempo não teve tempo.

Quando as raias silenciosas do nevoeiro se sobrepuserem às pinturas do mar, vou poder colocar novamente a música doce da tua imagem reflectida no vidro da memória.

Um final segredo antecipado no início da aventura da pele.

Só tu e eu sabemos onde pudemos dar as mãos.

A electricidade das estrelas vai-me dar coordenadas copérnicas para os anos verdes que crescem sobre as escamas.

Uma lágrima lembra-me um sorriso do principal desejo.


sábado, janeiro 10, 2004

O aroma do coração invisível


A tua lava percorre aromaticamente a forma do meu desejo, e aproxima-me de um inverno de gotas labirínticas sem paredes definidas.

Havia uma lápide de licor tua numa planta de um livro quotidiano ... e eu li-te ... foi assim que te encontrei pela primeira vez no meio da minha floresta de sémen.

Hoje encontras-te sentada numa fotografia de algodão e espinhos, há uma imagem topográfica do teu corpo que nasce numa nova artéria.

Eu deixo a alma trespassar o vento até à brancura vegetal de uma criança ... mas na rosa desse caminho de leite nunca vi o trepidar do teu coração.

E não existe nenhum mapa no mundo que me catapulte para essa brandura de aço, o quente diz que o perfume do teu orgão é invisível ao desejo.

Foi por isso que morreste dentro de uma folha de jornal na memória, as gotas de um delfim oceânico disseram que seria sempre assim, dias e não anos.

Em poucos dias as feridas sobre a pele acabaram por se sobrepor à invisibilidade do aroma que vinha perto do teu coração.


quarta-feira, janeiro 07, 2004

O fantasma que descansa na maresia


O meu gato não é meu, nem de ninguém. Não pertence a si próprio, porque os gatos ainda não têm palavra para inventar que têm próprio.

E o vazio do silêncio não lhes deixa feridas na maresia dos sonhos. As máquinas com açúcar que nascem na lua a seguir ao sono.

Uma serenidade plena no deserto dos olhos transporta-nos ao tempo das areias quentes, ao plátano do pensamento quando não há nada por que partir.

E hoje a única lágrima do tempo é o fantasma perfumado de uma pátria.

As mulheres portuguesas ainda misturam a vagina pela vegetação da vontade, mas sentados nas muralhas, mentimos com os músculos dos livros de história.

Por isso é que os gatos não têm livros, porque não há nada de novo na inocência fingida dos bébés. Tudo tem o mesmo cheiro de há milénios.

O olhar antigo e húmido do nevoeiro não incomoda ninguém, e hoje as ondas só servem para levar os desejos que guardamos no pó dos poemas.

Mas continua no segredo do mar um império que nos foi prometido pela água. Há quinas que ainda não têm terra.

E a seguir ao quinto ainda há-de vir um sexto império. Se deus nos quiser.


domingo, janeiro 04, 2004

Lusitana lápide


Portugal ... quando te encontro é no vulto preliminar da terra, no nevoeiro húmido onde as plantas criam raízes para as tempestades já esquecidas.

Senta-te numa cadeira de pedra, espera pelo gume da morte, que hoje já ninguém conhece o rosto onírico do adamastor.

Deixa o frio ultrapassar devagar o calor do corpo.

Nunca mais vai haver uma tela onde a tua espuma da vitória vai voltar a brilhar, as esculturas das batalhas verdes pertencem ao voo dos pássaros.

A tua estria corporal percorre-me até ao patamar da invisibilidade, leva-me ao planeta onde passamos dos oitenta para os oito anos.

Podemos ver a espada do vento a cantar o silêncio nos campos, o sangue da vontade humana a escrever uma cor lenta na tua bandeira hasteada.

Afinal havia uma lápide lusitana que tinha o meu nome quando nasci. Dantes, quando o mar era secreto ... pensava que era um sonho real que nascia num pranto de uma leitura.

Eu e tu ... devemos ser uma pétala de que deus se esqueceu na pressa da dor.

É melhor assim, posso libertar-me da lápide, experimentar a luminosidade da guitarra no corpo, basta ler algumas palavras do planeta onde se partiam para as glórias.

Esse planeta é um parto português num livro desenhado, havia um homem com um só olho que via com o corpo de todos nós.

Portugal ... não finjas a vida, não sejas como os teus filhos.