domingo, novembro 30, 2003

Nunca


Eu nunca te vi, apenas te olhei.

Porque é que há noites e não Dias com o teu nome? Pensava que eram os teus olhos que podiam responder a todas as facas adormecidas.

Pensava que os segredos dos sinos se podiam sepultar para sempre no som do sexo. Porque é que o porquê há-de ter um porque?

Eu nunca te pensei, apenas te senti.

Porque é que quando os corpos se tocam com nevoeiros, há sombras brancas que são plantas em crescimento?

Pensava que entre mim e ti havia uma mapa delineado num óleo, alguma pintura tentacular. Porque é que não há uma vertigem que escreva uma qualquer história de desespero?

Eu nunca te falei, apenas te amei.


quinta-feira, novembro 27, 2003

A semente


A minha verdadeira relação é com o pulmão da vida.

A minha verdadeira profissão é nunca ser completamente coração de nada. É ser apenas um pouco parte de cada gota da paisagem.

Apenas ser um pouco garagem da pintura, as manchas musicais das mulheres que rasgam a tela espumosa do silêncio.

E o sino de incenso delas é uma paisagem, é uma viagem dos dedos pela memória, uma aragem surda de cocktails que valem o dia.

Alguns tempos com água das alegrias. Alguns momentos que pararam o sentido do relógio no corpo. O corpo que eu gostava que tu germinasses.

O segredo da relva sentimental está em cada dia ser o esgoto invisível do dia anterior. E não deixar que me aperceba das tempestades.

E irmos deixando os campos cultivados perto das palavras. Pode ser que um dia possas colher um desses frutos. Pode ser que um dia deixe uma semente minha no teu lábio.

Pode ser que um dia a minha verdadeira profissão seja ser completamente o teu coração.


terça-feira, novembro 25, 2003

Porque o meu nome é Clorofila


O meu nome é Clorofila porque finalmente.

Porque acabei de beber a cerveja no inferno de Rimbaud. Porque finalmente sou permeável à chuva dos sentidos do suor.

Porque finalmente percebi que só há um único poeta, porque não há pedras de poética com páginas arco-íris de pessoas.

Um mundo de máquina aromática permeia a osmose entre o vivo e o morto. Há que deixar de ser para explicar o nome Clorofila.

O meu nome é Clorofila porque agora também vejo a vibração inócua no coração dos átomos.

Vejo as sementes eléctricas que fazem a paz no teu peito. É triste ver um sorriso branco de um abismo de algas. A mosca do destino não te larga.

O meu nome é Clorofila porque finalmente.

Porque a timidez da colheita é uma lenta tontura, a colheita de um sentimento de giz colorido, acordar uma límpida lápide na foz de leite.

A alegria arsénica é a morte muda da vida. Há que viver e poder morrer para ter o poder de extrudir a Clorofila.

O meu nome é Clorofila porque finalmente. Porque finalmente posso fumar o teu corpo escondido entre o plástico do amor.

segunda-feira, novembro 24, 2003

Por quem os sinos dobram

a decisão
o dia é cedo
a matinal melancolia
faz a gélida luta da vida
na planície do desperdício
a determinação célere

o frio relâmpago
percorre a fruta do corpo
a emergência no vulto do futuro

a arma foragida
lamentável batalha
sobre a infindável cinza

a cicatriz do orgulho
nas asas feridas do destino
na promessa aromática

o homem de cinco
ainda vivo perene
perante a raiva
o brilho calmo
e sem chama
enlouqueceu
com a dor
que o fez
nascer
viver

por quem os sinos
tocam o tempo
inexorável
por quem
os sinos
dobram

o mistério de névoa
integra os olhos
estranha viagem

ouvimos a líquida fúria do silêncio

no desmantelar da aurora
tudo deixou de existir
excepto a vontade
de Ser

por quem os sinos
tocam o tempo
inexorável
por quem
os sinos
dobram

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interpretação poética de “For Whom The Bell Tolls”
Metallica – "Ride the lightning" (1984)


quarta-feira, novembro 19, 2003

Oceano azulíneo


Escrevo este verso porque tu és o sexo do seu corpo, porque cada palavra é a tua brisa por mim, cada som é a minha mão que passa sobre o verso.

Escrevo esta secreta hamonia porque o teu corpo fecha a solidão metálica no micro-ondas, porque também a tua sombra ausente é uma alegre vertigem de mel.

Cada sílaba é uma pequena espuma do teu perfume de plasma, lembra-me a chuva tropical com cores que pensava já não existirem.

O universo da tua imagem dilui-se em sorrisos quentes pelo meu corpo.

A tua viagem sobre mim é um anzol musical, há um lençol de arco-íris nos teus olhos que ultrapassa toda a penumbra de uma distância milimétrica.

Um misterioso intervalo.

Entre os vales, aquele espaço de leite e algodão que me leva até ti.

Escrevo este verso porque tu és o brilho que mantém as letras unidas, porque se ergue um sentimento adormecido em cada curva que te pertence.

A vida é uma tempestade que se junta ao sol na tua forma de alecrim.


terça-feira, novembro 18, 2003

Fomos


Hoje somos um murmúrio preto.

O som de uma sombra que procura cega o vulto hirto.

A verdade dorme num sonho de gumes confortáveis, já não há a dor jovem e transparente da vitória, já não se faz sanguar os gritos desconhecidos do mar.

As gaivotas são tranquilamente mudas. São o luto de Portugal.

Havia um terreno líquido a percorrer, uma Bíblia que inflamava o músculo até à exaustão. Havia a chuva humana que cantava os frutos originais d'Os Lusíadas.

Os livros vão-se comendo com a espada de uma viagem ao vazio. Escondemos a bandeira luminosa do nosso pai num livro de pó.

Para esquecer o suor. Para desvanecer a glória. Para enganar o sangue.
Para deixar de ser um pouco de cada vez que acordamos.

As mulheres já não esperam pela temperatura musical. As crianças pensam que não existe verdade na voz do vento. Que foi uma primavera de papel na História.

Não vivemos, não matamos o corpo com o cansaço da glória, nunca houve muralhas fora de páginas brancas.

As quinas são nevoeiro liquefeito, palavras escritas com pressa.

Já nem Deus sabe quem fomos.


quinta-feira, novembro 13, 2003

Doces de Setembro


Há mulheres que são um mar de mãos, uma melodia de memória que vamos despertando nos gritos do sémen.

Por vezes há um pássaro que me desperta da alegria prolongada de uma lingerie.

Temos muitas plantas à flor da pele, que penetram em nevoeiros semíferos, e há umbigos que nos continuam sempre desconhecidos.

Há rios de pérolas, visões coloridas que deixamos em vidros, há suor que nunca se sente no sangue.

Lentamente, vamos abafando cristais, contamos mentiras ao mundo para permitir as árvores e os frutos melosos da inocência.

Comemos maçãs doces, descansamos ofegantes das marés, perto de uma praia nocturna, onde os morcegos não atormentam as imagens tentaculares.

Há navios com portos de precipício, que nunca morrem no veludo inquisidor do oceano.

Há mulheres que fazem da melodia uma branca memória marítima.


terça-feira, novembro 11, 2003

Há lágrimas que são sorrisos


O teu corpo de desassossego estende a mão de lava sobre a vida da noite, um universo que se transforma numa vertigem de creme repentina.

A tua mão tranquila mas prolongada, suave mas demorada, não deixa a lua morrer no berço das estrelas, numa luz lápide do ar.

Porque há uma viagem sobre a tua pele que ainda não me pertence.

Há um leite que se mistura no sangue e não me deixa descansar esta noite. Uma semente que origina árvores daltónicas, que matam a preguiça pesada dos sentimentos.

O suor de algumas palavras nasce sobre o leve umbral do vulcão, lembra-me porque é que os lençóis não têm quente além do pensamento.

Mas algures na memória do futuro há um vulto de estrelas que se origina, há qualquer lágrima de ti que se transforma num sorriso.

Há um doce vinho de loucura sobre a mesa. Há um pouco de vida que se guarda como um tesouro prismático.

Há sexo que não se explica com a fricção da pele.


sexta-feira, novembro 07, 2003

As crianças ainda não sabem


Elas ainda não sabem o que ateia o fogo furagido, as crianças, ainda não sabem que a vida e o mundo não têm sentido, nenhum segundo comprometido.

Brincam nos buracos do futuro diurno e virgem, os putos, julgam que o que está fora da planície do homem faz algum sentido.

Julgam que o que não é homem faz parte do perfil perene da vida. As crianças ainda são transparentes ao fumo funicular.

As crianças, as pedras preliminares e rosadas, partidas e combinadas.

Elas ainda não sabem que o sentido é uma senda, que é uma palavra pura sem corpo. Não sabem ainda que é uma palavra que se perdeu num poema, num grito descrito em melodias mudas.

Não sabem ainda que o único quente é a jangada de pássaros sobre o polén do sangue. Que a única estação de suor com sentido maquinal é dentro das pernas de uma mulher malmequer.

Elas ainda não sabem que o quente fica frio, que o gelo da chuva nasce nas montanhas de todos os problemas, de todos os olhos cobertos de névoa.

As crianças ainda não sabem. As crianças ainda não vivem.


quinta-feira, novembro 06, 2003

Mapa de alquimias


Quero viver na areia da inocência, num mapa incógnito de aveia química.

Quero nascer numa nuvem clássica de acetona aromático, perto de um precipício sintomático. Nuns lábios que tenham uma semelhança muda com o teu perfume, uma esperança de lâminas arábicas.

A ponte de madeira prolonga-nos para a aridez da chuva, é um deserto líquido de segredos, de sons marginais de nicotina plasmática.

Mas também gosto que o teu sangue se perca no meu abismo de aforismos.

Gosto que o teu suor invisível deixe dicionários sem sentido, partidos no chão liquefeito. Gosto de nascer morto de sede.

Na procura de um som sombreado, de um universo único, que se encontra num mapa de alquimias.

É nessa tua árvore impulsiva que encontro algumas sombras de silêncio, que ainda me pertencem. Nasceram perto do suplício difícil das rosas.

Amo os rastos dessas sementes surdas do meu corpo, a lava que vive ainda no teu estrume.


segunda-feira, novembro 03, 2003

O trigo branco silencioso


Quando vi o branco estava a falar com o preto. A falar com flores, pétalas de falácias cromadas. E tu surgiste do nada absoluto, pendente de um fogo âmbar de uma estrela, um timbre que se diz prolongado sobre o corpo da noite.

Lembrei-me logo de um palácio de paredes de açúcar.

Vi-te, uma bandeira de cores construídas, desfraldada no oceano de ópio sedoso. Uma pedra luminosa no deserto das incertezas.

E sorriste como ninguém.

Mas não devias, essa luz simples, esse sorriso de fogueira, ainda nos há-de matar a todos, todos os tolos de um dia num segundo.

Esse aço branco lembra-me que os nenúfares são baralhos de cartas.

Afinal ainda tenho nas mãos um jogo de trigo silencioso. Mas estou seguro, o doce de amora, uma lembrança de geleia ainda me vai acordar de um mar salgado.

Sim, todas as noites. Todas as noites esse sorriso de faca vai-me inventar novamente. Vai-me lembrar que eu pertenço a nada, e por isso posso abraçar os braços do universo, posso navegar no leite dos versos.

E assim os meus olhos foram com o teu corpo, acompanharam-te até um plano quente, um lago docemente inclinado e sem interrogações.

Eles contaram-me como se vive em casas de lençóis, onde há pedaços de felicidade espalhados no vidro das janelas.


sábado, novembro 01, 2003

Os papiros de clorofila

Perdi-me nas páginas áridas, em mãos rosadas de leite marítimo, onde o vento junta os braços das letras pretas. Perto navegava um nome arqueado. A tua pele.

Os papiros, tinha-os guardados numa parede de lava, pálida e agreste sobre a montanha. Perdi-os. Perdi o meu nome de vidro no plâncton arenoso das ideologias.

Não distingo as lágrimas do suor vermelho das alquimias, o fumo clorofila dos beijos brancos. Onde está a tua casa que escrevia escadas de água?

Uma alma de álcool vagueia no sorriso, ondas desconhecidas nos lençóis de acetona, existe ainda um cruzamento de estuque cinzento, onde os momentos constroem os pilares das histórias, os berços almofadados e ortogonais dos livros.

Os papiros que escrevi sobre o quente que emana do teu corpo. Os papiros de clorofila.

Vou escrevê-los novamente numa prata, oculto das pedras escorregadias da memória.

O pulmão de sentidos desperta lentamente na humidade láctea do silêncio, onde tu penetras na plenitude, no prisma sólido dos segredos.

Somos os papiros secretos de clorofila.