terça-feira, outubro 28, 2003

Diferença

Às vezes fazes parte do mar milimétrico, dos grãos declinados de açúcar, às vezes, quando morre a diferença entre o pensamento e a melodia.

Às vezes quando passas no pensamento, o sangue acelerado faz mais sentido. A vida evita que a morte das palavras líquidas se torne cansativa e demoníaca.

O perfume parte-se, preenche uma falésia de riachos, algumas páginas de sons, lembro-me das avenidas pretas dos labirintos. Alguém as disse, um dia. A vida sempre é mais do que murmúrios marginais de maresia.

O mundo deixa em cima da almofada algumas perguntas de lâminas brancas, flores que me beijam na palidez da chuva fria. Às vezes desaparece a diferença entre o preto e o branco.

Às vezes tu apareces quente na crista das ondas, a matar as subtilezas das marés.

Às vezes eu faço sentido.

Às vezes vivo.

terça-feira, outubro 21, 2003

A espada do desejo


Estou cansado, do desejo, da noite e do dia. A diferença líquida faz a mão escorregar sozinha, no corpo invisível que desconheço.

A ponte de vapor ácido para o húmus dos sentimentos, quando as pequenas sombras de luz são encolhidas na noite, no íris placento do dia morto.

Estou cansado dos braços assados no aço lamacento do tempo. Estou cansado dos momentos serem pensamentos.

Estou cansado da guerra não ter cara nem nome, não ter coroa nem fome.

O devorador das sementes singulares, sumos diurnos e sonhos pendulares. Tudo o que o tempo bebe e deleita na cama curvilínea das nuvens.

Os olhos alimentam-se do fogo inerte, algumas histórias esquecidas e frutos desvanecidos. Algumas montanhas de gelo são entretanto erguidas.

O carvão húmido da combustão, há ainda o destino de óleo mergulhado nas paredes surdas. Nas costas brancas e direitas dos museus. A melodia que perdura, tempos marítimos e bandeiras arqueadas.

Ainda a espada da memória, nas páginas do mar.

quinta-feira, outubro 16, 2003

O vento entre a pedra e a almofada


A inocência mata, tanto como o cigarro que pinta o pulmão, perto do coração. Como uma bomba de tinta em sangue. Tanto como o cheiro inodoro do silêncio das rosas, as sombras de cores límpidas que se perdem numa estrada de poeira. Nesta estrada que a inocência mata.

As pegadas da tua escultura são laminares, só eu as entendo. Só eu compreendo a distância, o caminho de luz entre a tua alma e o vento.

Uma laranja cresce no leite laminar da troca de palavras, uma águia de lama que perdura lentamente no pensamento. No momento que tinha no bolso da página.

Mas a ti não te chega a luz ténue, tu difundes-te. Não deixas o relógio morrer nas mãos líquidas dos segundos que vão morrendo.

As minhas palavras passam, perdem-se no labirinto da pele, carregadas de sentimentos invisíveis, passam inertes pelas folhas estendidas. A tua vela de significados é-lhes indiferente.

O vento faz a diferença entre a pedra e a almofada. Entre o sonho e o teu último beijo do momento. Este tempo que é só do pensamento.

A pintura fica como o pulmão preto de óleo, como o som seco daquilo que não existe. E a minha sombra é preliminar, indica que vou partir mais um vidro de vento num livro.


quarta-feira, outubro 15, 2003

O cinema de sentimentos


A brisa que arranha os olhos límpidos das letras é fria. A alma de lava preta deixa um ferida prolongada na eminência da noite.

O rio lúcido de algas estremece numa sombra do sol.

As cores de um quadro de Klee relembra-me que afinal ainda existo. Afinal ainda penso. Afinal ainda estás aqui.

Afinal sou. Ainda alguns traços de um desenho de palavras, irrequietos, como os dedos que percorrem o suor do tempo. Esta ponte que lês.

Comida cinzenta.

Algumas pedras com o sabor líquido da ausência preenchida. A chuva de som incolor escreve na pele árida, um cinema de sentimentos, um pouco de tinta na margem pictórica da memória.

O relógio que se partiu em sorrisos. Afinal não eram vidros, o cinema.

segunda-feira, outubro 13, 2003

Mordo


Mordo gradualmente a água invisível do teu corpo, o templo nobre sobre o Alentejo, lentamente, ao longo da viagem de silêncio, enquanto as nuvens do sol não se escondem.

Por trás dos teus cabelos, as montanhas de algodão escorrem fáceis das mãos áridas, entre os dedos, morrem em desejo pálido.

Mordo miragens cor de rosa, paisagens de pétalas.

O teu caminho calmo passa entre os segundos, entre os tempos de inércia da chuva. Congratulo-me de ter sido atropelado nessa barragem. Acordei, dentro de uma página branca. Agora a morte do teu perfume permanece a leste de um sonho que não existe no mundo.

O desfiladeiro de sombras, entre a seda de um beijo que nasceu. Entro devasso no suor dos teus olhos, onde dormem os pilares do arco íris. Mordo as barragens de tília misteriosa, com os dentes da sede solta.

Mordo a tua parte de mim, perto da falésia do fim do dia.

A infância decorre no parapeito de aço dúctil, onde a capa de um livro inerte é brilhante. Um braço de sentimentos, fútil, cai de uma janela de gritos inodoros.

Morro no muro, contigo, numa gruta quente de alecrim.

sexta-feira, outubro 10, 2003

A voz void


O vermelho, o verde. As flores do iceberg da descoberta.

A noz da nuvem quebra-se na leitura da voz. A voz do void, que tinha sinas nas mãos do oceano.

O grito dissimina-se em arcos de névoa, entre panos e hastes. Estrelas com luz murcha, mortas de brilho vulcânico. Sózinhas com sementes de almas soltas.

Falta o sémen de aço de Afonso, nas gretas da cortiça. O vinho da resina acusa a melodia do tempo, rugas, os anos. A espada de sangue que beija as cebolas húmidas do tempo.

Um esqueleto de fumo, nasce ainda nas colinas da saudade. A alegre temperança do soldado.

A imagem da montanha azul, desfaz-se numa terra de duas cidades. Depois de limpas as mocidades, as urtigas do rastro da falésia. São árvores indesejadas, pedras de água, em vapor.

Fazem-se as sombras das ondas, no planalto manso da bandeira. Cruzes e quinas aladas, perseguem almas perturbadas, pela glória, a noz da letargia, as sombras dos sumos marítimos.

Restam os Cantos, os dez sumos lacrados. Num caixão de papel.

A voz nutrida da noz lusa, em pedaços doces de memória.


segunda-feira, outubro 06, 2003

Gostava


Gostava. Ao olhar para ti, gostava que o teu corpo fizesse os meus braços, as árvores com a fome implacável da melodia.

Um planalto de laços, descansam dormentes, amordaçam o limbo e a chuva da floresta. As árvores húmidas da rebeldia. Gostava que fosse inealável. Desesperava por um pouco de música que fizesse sentido. Um tom que distinga o bisonte da mosca.

Um rio absorve, derruba em leite, lentamente, os teus cabelos, longos, pardos. Abrem estradas, rosas alagadas, num declive de uma escada. Degraus invisíveis.

Eu deixo morrer a maresia de plátanos.

Deixo-me ir no ar arenoso. Deixo de ser o açúcar do sal. Sou indistinto. Deixo-me de letras e palavras e parto latas de líquido. Para derreter o teu cheiro de carne secreta, pedaços de alma indiscreta.

Gostava que, sobre a tua pele, queimasse o meu destino, num mar marítimo. Límpido e líquido, como um mapa de cartas para o signo.

Eu sou, em cada passo, um sapato teu. Definitivo, como um vinho de livros verdadeiros.

Em cada momento, alternativo ao som do pássaro, nas asas que deixam as interrogações serem solitárias, as paredes pretas de nuvens.

O algodão ácido que deixas em bolas de húmus, lentas madeixas em concórdia.


domingo, outubro 05, 2003

As sementes cinzentas


Sou inerente à água do tempo. Mesmo á beira frugal da falésia.

Aquele nome que vem indomável do escuro preto, inóspito e húmido. Aquela música, que dizemos invisível e dentro de um livro cinzento, pequenas gotículas de infância, sobre a lombada, o corpo de uma porta lacrada.

O eixo mortal dos segredos, que deixam o dia em suor. O marfim, que pesa no livro cinzento, de sementes ásperas.

Mas o som nasce, quando os dedos tocam no sol. Uma bola joga luminosa. Novamente, num berço virgem de ervilhas.

Ervilhas que fazem ouro do precipício, quando a manhã é o dia que vou desbastar, uma cortiça, folhas escritas e dobradas. Manuscritas e quebradas. Escritas no tempo da memória seca, nas páginas marginais das sementes, nas páginas da Árvore. Na minha alma de lama.

E deixo o sal cair, perto do sol, e morrer de letras que não são minhas. Lentamente, ao longo da estrada. Como um livro que não escrevo, nem leio.

Não quero comer mais maças de incógnitas. Até chegar ao fim, e ao princípio da encruzilhada dos segredos. Os segredos deixam-me indiferente á vida. Mas diferente na lida, do cinema de novelos.

Os novelos de aço que pingam, de outros novelos sem fim, leite e pão de água branda. Ideias brancas que fazem o meu momento. Deixam a claro o sémen do pensamento. Enquanto os anos passam, os novelos desfiam o vazio do gelo, e preenchem momentos de pensamento, inertes.

Achamos que deixamos de ser o momento, que perdemos o pensamento num riacho, numa descida declivada de braços.

Achamos, tristes, que fazemos parte do tempo. Da ponte para a estrada láctea, plancton para as ideias do corpo, cansado de sentimentos.


sexta-feira, outubro 03, 2003

Portugal

Hoje os dias são noites, distantes, numa linha de luz inócua, na terra do Infante que já não existe. Contamos histórias em que as noites eram dias.

Hoje, o tempo repassa inerte nas velas desfiadas, outrora firmes num sonho hirto, onde punhamos padrões e religiões luminosas em terras virgens, com a sede da destruição benévola do Homem.

A alma dista um segundo da onda límpida, um mundo no coração do turbilhão português, no fundo do mundo, que já não existe no gume das dunas de areia, são desconhecidas, imperceptíveis.

Hoje, nos cais invisíveis, a cruz segura e cálida, a voz inodora de Cristo, ainda persiste nas galeras, que já não vão ao mar, revolto, demoníaco demais nestes dias de óleo, arriscado demais, para quem vendeu as sementes da alma. Jaz a lenta cadeia da preguiça branca. O devaneio louco da loucura arrastada e sapiente.

As galeras agora são cabelos grisalhos, que caem brancos e pálidos.

Hoje, restam os grãos de sal nos campos desertos, e o fumo das máquinas endinheiradas, envolvendo as caixas pretas de betão, sufocando com névoa a Torre branca e sózinha.

Uma árvore que traz o sentimento humano, da terra húmida. A Torre cada vez mais só, no meio da espuma das palavras. No meio dos pilares dos livros e autos antigos.

Hoje deixamos de ser, fomos Portugal, somos portugal. A bruma da montanha seca que dorme no planalto de pedras soltas.


quinta-feira, outubro 02, 2003

mar límpido do momento


tu
és vela
numa falésia
de maresia brava
onde vou tu andas
num sonho de nuvens
sobre o meu pensamento
onde me sou tu nadas
no mar límpido do momento
numa faca de amnésia
onde o sangue escreve
ventos soltos de sol
por onde tu andas
na linha ténue
das ondas
do rio
eu


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A fusão no neon leite do teu corpo


reflito o meu sonho
no neon leite do teu corpo
no intervalo de tempo
e de vida
no álcool das palavras
que nos separam
a ilusão inevitável do verão
e do inverno cupido

o feno
de suco alexandrino
percorre os teus braços
de penumbra límpida
luminosa
dentro de um desejo
e dança encandescente
arcos simples de memória nova

esta melodia
de mel e iguaria
coloca a deambulação
perto das pernas do mar
contando histórias laminares
que estende numa mão
ampla e aflita
o teu açucar de rosa

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A alameda cristalina


o frio da inocência
deixa uma lágrima
no bordo de uma palavra
um barco líquido
que faz o teu corpo nascer
num veludo de conforto
perco-me no palco
de cristal
nesta alameda
de mel
e pintura diamante.

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A inocência de algumas discrepâncias


eu era um turismo de pensamentos
secretos pelos trilhos rurais
e momentos sozinhos
o fumo funicular
de maresia natural
a manhã banhou o mar
a água que desenhava o corpo
do dia adolescente
árvores
casas
o sal
o meu corpo inquieto
e toda a vida que agitava
a vibração das pedras mortas
pelas ruas de cal
de pessoas
nomes
todas as coisas mortas
que dão nome às coisas vivas
e a banha lenta da saudade
que lambe um conceito
o da quinta essência
que acerca o peito de inocência
e algumas discrepâncias.

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Na margem húmida da madrugada


este é um tempo pleno
de momentos
de luzes luminosas
quando a planície da tua pele
ainda perdura na planta desperta
na margem da madrugada
onde algumas palavras
se confundem com o atletismo
das hormonas de neon quente
dilacerante
depois da tua noite
de amplexo sanguínea
tornei-me límpido como o ar
limpo e verde das florestas originais
depois de telemóvel ter ampliado
o estrume da humidade
nos sentimentos de cristal lácteo
eu sento-me
no sofá sozinho ponderado
e costuro com tijolos e letras de lã
o sentido napa dos dias líquidos
a vida após a luz adolescente
e marginal da madrugada.


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Universo de um rosto


no limiar
do teu lábio
existe o líquido
para o precipício
de um universo de leite
enquanto falas com o baton
na estrela de um segredo
que queima
o gelo encarnado
e encardido no meu rosto
enquanto contamos aos amigos
mentiras sobre as palavras
e os versos luminosos
existe um límpido perfil
de silêncio em novelos
e pedras eléctricas
que vão chovendo
nas noites
das melodias engrenadas
a escrita de andorinha
não termina
nem quando o corpo deixa
de ser sozinho no prado
nas colheitas do estio.

A fusão inaudível dos gritos sozinhos

assim vão as casas
de vida no vento
na sombra das asas
de segredos sonolentos
descobertos pelos líquenes
assim sai de mim
o pelo dos segundos
quando o dia passa
no fim da flecha
numa alegria
em que digo adeus
ao momento
que construiu o som da pele
o arroz inaudível
dos gritos sozinhos
sobre o gelo do nome
ácido das pedras
o que separa os corpos da fusão
essas vértebras liquefeitas
da fuligem que perdura
nas palavras trocadas
entre as pontes
que fizemos no mar
nascer juntos ao sol.

A inflamação das uvas herméticas


namoro uma amora
contigo em novo trigo
uma placenta de um jogo
que se inflama num lençol
momentos em cachos de uvas
e sumos açucarenos de imagens
vinha escrito nos jornais de hoje
em itálicos cabeçalhos
palavras tuas de cantiga
esse prazer eléctrico
que vem da saliva
de uma área compulsiva
e hermética

saimos do carro
chovia
estava o vento
a fechar as portas de cristal
sobre o linho arado do passado
à beira de um fogo de mar
quebrou-se
a voz do silêncio lavrado
e segredos mortos
as libélulas libertas num líquido
nesse mar de gaivotas gratas
que diz a fúria cega do futuro
das garças no areal
no convento
de todos os planos invisíveis
alguns oblíquos
de algas clássicas

o meu alimento é o acuçar que ceifa
a tua língua rubra de um sonho.

O teu pólen no poema

o dia em que o desejo
vestiu uma camisa
de algodão

um dia
já sabia
que te ias daqui
embora num dia
quando o calor das borboletas
limpou vidros no inverno de sal
por isso escondi o beijo
do teu corpo clássico
nas letras límpidas
num poema
de plancton e cálcio
assim as estrelas nascem
numa noite a norte permanente
e o teu cheio permanece
num palavra viva de gás vital

embora também o lamento
gástrico
este orvalho vá
num momento em pó de ar
até ficar apenas um frasco
de estrias vazio
com o teu nome
no rótulo em cristal crítico